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Propósito vai ser ainda mais importante para as marcas pós-pandemia

Para professor da FGV à frente de relatório sobre tendências para 2020, ao menos 30% das empresas devem adotar home office após a quarentena e tecnologia deve evidenciar nosso lado mais humano

Por Marina Dayrell
Atualização:

Para além das tendências previstas para os negócios em 2020, a disseminação do novo coronavírus e os efeitos provocados pelo isolamento social estão mudando o que era esperado para as empresas. Negócios de todos os portes, principalmente os pequenos e médios, tiveram que correr atrás de adequações, sejam em relação à digitalização de suas operações ou na implantação do trabalho remoto

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Esses dois pontos serão o maior legado deixado pela pandemia, segundo o professor André Miceli, coordenador do MBA em Marketing e Inteligência de Negócios Digitais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e diretor-executivo da Infobase (empresa integradora de tecnologia da informação). 

Em parceria com as duas instituições e com a Institute for Technology, Enterpreneurship and Culture (TEC), Miceli desenvolveu o relatório "Tendências de Marketing e Tecnologia 2020: Humanidade redefinida e os novos negócios" para ajudar empreendedores a se moverem diante da pandemia. 

“Entre as empresas que adotaram o home office durante a quarentena, quando elas tiverem completamente livres para voltar ao trabalho, 30% delas irão adotar pelo menos um dia de home office de seus funcionários. Essa é uma questão cultural. Assim como aconteceu com a transição dos negócios que estão adotando ferramentas de e-commerce e práticas digitais”, analisa. Para ele, o próximo passo das empresas será estruturar esses métodos. Confira a seguir a entrevista.

Negócios precisaram intensificar ou criar uma operação digital de forma emergencial na quarentena. Qual o legado que esse movimento deixa para o empreendedorismo pós-pandemia?

O principal ganho que isso vai trazer é o legado cultural. Tanto empresas grandes que passaram trabalhar em home office e enfrentavam resistência dentro da própria empresa quanto empreendedores mais conservadores, ainda que pequenos, que resistiam ao movimento de digitalização vão ter que fazer funcionar. Vão ter que trabalhar de fato para que isso funcione. As barreiras culturais vão ser quebradas. Esse comportamento de um pensamento mais digital vai permanecer. Por mais que a empresa encontre desafios, vai ser um processo de transição que vai trazer dores, mas com elas vem o crescimento. 

O novo normal em Wuhan, na China, primeiro epicentro da Covid-19. Cidade saiu oficialmente do confinamento imposto pelas autoridades sanitárias. Foto: REUTERS/Aly Song

Quando tudo passa, fica tudo que está sendo construído agora, ficam estradas pavimentadas. Quem está estabelecendo processos para vender via Whatsapp, por exemplo, está aprendendo a vender digitalmente. Depois, para criar um site é muito mais fácil. Quem está adotando o home office vai poder manter um desenho que seja híbrido. Esse momento tem evidenciado que a tecnologia é um ativo humano. A gente tem essa discussão que ela afasta as pessoas e não tem mais dúvida de que não afasta. As pessoas podem tomar a decisão de se afastar, mas não é por causa pela tecnologia, ela vai evidenciar o nosso lado mais humano.

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Segundo o relatório, a expectativa é que o trabalho remoto se torne mais comum depois. O quão comum ele deve ser? 

Esse é um movimento que já vinha acontecendo, vimos o crescimento na prática de home office nos últimos anos e a pandemia o acelerou. Isso nos faz acreditar que entre as empresas que adotaram o home office durante a quarentena, quando elas tiverem completamente livres para voltar ao trabalho, 30% delas irão adotar pelo menos um dia de home office de seus funcionários. 

Mais uma vez, essa é uma questão cultural. Assim como aconteceu com a transição dos negócios que estão adotando ferramentas de e-commerce e práticas digitais, a gente também precisou dessa obrigação do home office para que as empresas colocassem isso para funcionar de verdade. Elas vão ver problemas, mas vão ver muitos benefícios também. 

Assim que a abertura acontecer, a gente deve ter um porcentual ainda maior do que esses 30% porque, apesar de acabar o isolamento social, vamos receber diretrizes de distanciamento social. Para as empresas cumprirem isso elas vão precisar diminuir a quantidade de funcionários que fiquem na empresa ao mesmo tempo. O que vamos ver logo depois do fim do isolamento social é um rodízio. 

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Na sequência, quando liberarem tudo, algumas empresas, ao verem o benefício do home office, vão optar por manter a prática. Depois desse momento em que as coisas ainda estão acontecendo de uma maneira mais rudimentar, vamos ver discussões sobre legislação de home office, empresas tendo que criar pacote de benefício em torno do home office. Vamos ver empresas tendo que estruturá-lo de forma mais consistente. 

Quais empresas são essas?

Mais do que o segmento, a função é o mais determinante para isso. De qualquer forma, o segmento de serviços facilita essa visão porque não precisa da presença física em muitos momentos. As empresas de tecnologia também, pois já têm uma visão moderna das relações de trabalho. Mas as funções é que são as grandes sacadas. O departamento financeiro, a equipe de marketing, de tecnologia da informação, por exemplo, podem ser mais facilmente colocadas em home office. Já os setores que precisam de interação física ou manipulação de elementos vai ter que voltar ao normal. 

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O que mais muda nas relações de trabalho? 

Com a prática do home office e as empresas aprendendo a trabalhar remotamente o que vamos ver é a empresa buscando recursos de uma forma mais ampla. O mundo vai ser a opção. Hoje, procuramos gente que mora em determinada distância, na cidade em que estamos, pensando no deslocamento. Quando essa relação acaba, principalmente nos segmentos em que temos apagão de mão de obra, as empresas brasileiras vão se acostumar com práticas que os Estados Unidos e a Europa já fazem, que é buscar pessoas em outros países. Vamos ter isso tanto do lado das empresas quanto das pessoas, que vão poder trabalhar em várias empresas ao mesmo tempo sem estarem próximas delas fisicamente. Isso torna a relação empresa-colaborador mais fluida, menos rígida, tendo colaboradores de várias regiões.

Para André Miceli, professor da FGV, o maior legado da pandemia será cultural, com destaque para a digitalização dos negócios e a implantação dotrabalho remoto. Foto: André Crispim

O que o levantamento aponta em relação à sobrevivência dos pequenos negócios?

Todos os empreendedores, principalmente os pequenos, por não terem capacidade de empurrar solução para o mercado, precisam pensar nos problemas que eles vão resolver. O problema que eles resolvem como empresa é a chave para escalar o negócio. Por exemplo, o segmento de telemedicina - que acabou de ser aprovada - é inexplorado ainda. Tem oportunidades de explorar campos novos, pensando na necessidade das pessoas. A gente tem menos espaço para criar soluções que as empresas vão empurrar para os clientes.

Sabe quando o Steve Jobs falava que a Apple tinha que entregar para os clientes coisas que eles precisam, mas ainda não sabem que precisam? Então, empresas grandes são capazes de gerar demanda e desejo, mas neste momento, principalmente para os pequenos, olhar para o consumidor e resolver os problemas dele vai ser mais eficiente do que tentar colocar uma solução que não necessariamente está ligada a essa demanda.

É possível que as empresas façam isso sem parecerem insensíveis?

Vamos ter um tempo mais difícil, mas como todo cenário de crise temos oportunidades que se apresentam, que possam se mostrar uma situação interessante caso eles consigam identificar as dores e consigam produzi-las de forma barata. As pessoas não vão deixar de consumir e de trocar de produto ou serviço se acharem algo com custo mais barato. Em última instância, as empresas são organismos que servem ao lucro. 

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Por exemplo, muita gente veio me perguntar se o movimento das empresas trocando o logotipo, como no caso do Mercado Livre que trocou as mãos por um cumprimento de cotovelos, era manipulação. Todo movimento de marketing é de manipulação, toda empresa serve ao propósito dos seus sócios, não vejo isso como um movimento atípico, é normal. O que eu acho que elas devem fazer em um momento mais sensível é tentar devolver para a sociedade parte daquilo que a sociedade dá para ela, ter ações sociais, ajudar as pessoas a terem um movimento um pouco mais confortável - com aquilo que ela faz de melhor.

Como empresas de conteúdo que liberaram acesso para as pessoas nesse momento. É o movimento que deve acontecer independentemente de ser uma época de crise ou não, as empresas têm que retornar para sociedade. Um empreendedor aproveitar a oportunidade para crescer, usando métodos honestos, sem se aproveitar de alguém que está sofrendo para isso, por que não? 

E como fica o cenário pós-pandemia? Quando a quarentena acabar, é esperado que as atividades ainda demorem a voltar a ser como eram. Como reagir nesse período? 

Tradicionalmente os momentos pós-crise são momentos que apresentam oportunidades interessantes. Tanto nas crises de 2001 e 2008, até em crises mais antigas, como a do petróleo e a de 1929, o pós tem seus momentos bons. Depois que a sensação de insegurança acaba, os investimentos recomeçam. Tem movimentos de fusões e aquisições, tem movimento de crédito retornando. Essa crise é diferente porque não nasceu como crise financeira, ela se tornou financeira por causa de saúde. Ainda existe muito dinheiro no mundo. Ele está preso porque as pessoas estão inseguras, mas ele estará liberado quando tudo acabar. 

Ao contrário das outras crises, que nascem financeiramente, uma vacina resolve o problema. Enquanto ela não for encontrada o mundo não vai voltar ao normal. Depois que ela for encontrada, a gente vai ver esse dinheiro reprimido liberado para investimento, o mundo mais aberto à utilização de tecnologia e vamos ver diferenças comportamentais mais importantes em relação ao distanciamento ou à aproximação das pessoas. 

Vai ser um pouco diferente a relação dos restaurantes, por exemplo. Vamos ver mais restaurantes de porta, sem salão, que vão cobrir uma região inteira. Estará mais focado em operações logísticas, em vez do cara investir R$ 2 milhões para ter um mega restaurante decorado, ele vai investir esse dinheiro em 10 restaurantes simples, que entregam e cubram mais regiões. O mundo dos shopping centers vai precisar se reinventar porque as aglomerações vão ter que diminuir por um tempo. Um mundo mais orientado à tecnologia e mais humano ao mesmo tempo. 

A visão é que a recuperação vai ser rápida porque temos dinheiro disponível no mundo pra isso. Não sei se a crise vai ser longa, mas a recuperação tende a ser rápida. O movimento de abertura, mesmo sem vacina, vai acontecer - claro que com cuidado, de acordo com as medidas das autoridades de saúde - mas vamos continuar convivendo com o vírus. Óbvio que as pessoas não vão voltar imediatamente para os restaurantes quando as coisas reabrirem, não vai ter festa, não vai ter show. Enquanto a vacina não aparecer, o mundo não volta ao normal. 

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O novo normal em Wuhan, na China: funcionária de empresa aérea trabalha com proteção após reabertura do aeroporto local. Foto: REUTERS/Aly Song

Há iniciativas de vouchers pré-pagos e financiamento para ajudar pequenos negócios. Parece que o relacionamento com o público se tornou ainda mais importante. Como vê esse cenário?

O relacionamento com o cliente em última instância é engajamento e ele sempre acontece em função da tríade: amor, dinheiro e glória. Ou a pessoa se envolve com a marca porque tem relação de sentimento, benefício financeiro ou ganha status com isso. As empresas que souberam desenvolver vínculos afetivos têm um um bom momento para explorar. Vão sensibilizar o público com o momento de dificuldade que estão vivendo e, ao fazer uma ação como como comprar um voucher, o público está ajudando. 

Além do amor, também estão usando o dinheiro porque os vouchers dão condições melhores, eles dão desconto ou o dobro de crédito. Para quem compra é bom porque ganha um benefício, e para quem vende é fundamental porque está antecipando uma receita que vai mantê-lo vivo. 

E glória é status. A internet faz muito isso. Os badges que as empresa colocam falando que você está apoiando determinada causa, por exemplo. O marketing ainda não tem feito isso de disponibilizar movimentos digitais para o que estão fazendo nesse momento. O primeiro é um efeito químico, desperta quimicamente uma reação de quem faz a boa ação e tem uma outra questão que é que as pessoas fazem boas ações para contar para outras que fazem boas ações, isso gera admiração. As empresas ainda não estão explorando isso digitalmente para que quem está fazendo essa boa ação possa mostrar para a sua rede de contatos. 

Em que essa pandemia mudou ou vai mudar o modo como as empresas lidam com o marketing?

Sem dúvida haverá mudanças. Primeiro, o propósito vai ser cada vez mais importante, sua posição sobre os temas que permeiam a nossa existência. As empresas vão precisar se posicionar mais claramente. Não vai ser só pelo marketing, mas pela maneira como ela se comporta no dia a dia. 

Outro ponto importante é o despertar do engajamento, esse modelo de posicionamento tem a ver com despertar um sentimento positivo pela marca. Cada vez mais eu vejo a tríade de engajamento (amor, dinheiro e glória) mais importante no marketing das empresas. Cada vez menos é uma competição por posição nas gôndolas, nos mercados, mas as empresas vão precisar habitar um pedaço da memória dos seus clientes. O cara vai digitar um endereço, nao vai estar passeando no shopping e querer entrar em uma loja com que ele se deparou.

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Claro que fazer marketing em outros sites e comprar mídia digital continuam sendo ações importantes. Mas aquela marca que está exposta ali vai precisar ser reconhecida quando o cliente ver a propaganda em outro lugar. Se a gente diminuir a circulação de pessoas, o marketing que vai ter que ser feito será aquele que faz as pessoas se lembrarem da marca. 

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