Aplicativos de delivery fomentam negócios de cozinhas ‘virtuais’

Plataformas estimulam empreendimentos gastronômicos a portas fechadas, de MEIs a empresas maiores, para a preparação de receitas na cozinha de casa ou em espaço industrial

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Por Bárbara Stefanelli
Atualização:
4 min de leitura

Especial para o Estado

Muitas pessoas estão pegando carona na popularização dos aplicativos de delivery de comida e criando um novo modelo de negócio: as cozinhas virtuais ou, como chamadas lá fora, “dark kitchens” (cozinhas escondidas). Esse tipo de estabelecimento não funciona a portas abertas nem com clientes no salão - trabalha exclusivamente com a entrega de pedidos.

Os pedidos são feitos por apps como Uber Eats, Rappi, iFood, Apptite e Eats for You, onde se acumulam diferentes tipos de negócios, desde a cozinheira MEI (microempreendedora individual), que faz a produção dentro de sua casa, até o empreendedor que vem do ramo de restaurantes e abre uma cozinha virtual para atender a uma demanda apontada por um aplicativo.

É o caso de Matilde Arruda, de 32 anos, proprietária do delivery Sushi Plus. Formada em administração de empresas e gastronomia, ela já trabalhava na parte operacional da rede de temakerias da família. Foi abordada pela Uber Eats com uma demanda para entregas de sushi (e apenas sushi) na Vila Mariana.

“Eles já nos atendiam com a outra rede, perceberam que o termo sushi tinha muita busca na região e que a demanda não era atendida. Então, para montar o novo negócio, recebemos todo esse apoio de dados”, conta Matilde. A portas fechadas, o Sushi Plus inaugurou em dezembro na Vila Mariana e, em fevereiro deste ano, já abriu sua segunda unidade de delivery, na região da Berrini. Atualmente, são cerca de 300 pedidos diários por loja.

O fundador da duLocal, Felipe Gasko, e a cozinheira Maria Celia Santos, em Paraisópolis. Foto: Valéria Gonçalvez/Estadão

“Parece até mentira, mas iniciamos a atividade no app às 11h30 de uma segunda-feira e, às 11h33, já tinha pedido de entrega. Em um restaurante de rua, é muito difícil você abrir e já ter cliente”, diz a empresária, que já planeja a terceira unidade do Sushi Plus.

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Oportunidade dentro de casa

Não é apenas para quem tem conhecimento no ramo dos restaurantes ou quem tem condições de montar uma cozinha industrial que o modelo de negócio funciona. Em 2014, a advogada Renata Ferrão, de 54 anos, começou de forma tímida a vender molho de tomate para familiares e conhecidos. Encontrou ali uma forma de ocupar a cabeça e de voltar a ganhar dinheiro.

“Estava precisando de uma renda extra e passei a fazer os molhos. No boca a boca, o negócio cresceu e passaram a me cobrar comida também. Então, comecei a fazer jantares, servindo no estilo de bufê”, lembra a cozinheira. “Foi quando criei a minha página no Instagram, a Comidinha da Rê, e pouco tempo depois, no fim de 2015, a equipe do Apptite me achou e me convidou para fazer parte dos chefs do aplicativo.”

A plataforma conecta cozinheiros que fazem comida artesanal e clientes em busca de opções de pratos feitos com um toque especial. Pelo aplicativo, Renata recebe cerca de dez pedidos por dia, entregues a um motoboy da rede. Segunda ela, as opções mais procuradas são o frango ao curry, o picadinho e sua salada de grãos.

Matilde Arruda, que criou a Sushi Plus a partir de dados da Uber Eats. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Além das entregas via app, ela também trabalha no esquema de retirada em sua própria casa, atendendo pessoas do prédio em que mora e do bairro, nos Jardins. Se pensa em abrir restaurante? “O que você paga de imposto, aluguel, encargo para funcionário e ações trabalhistas... Dá um desânimo”, pondera.

A flexibilidade da vida no aplicativo conta a favor. “Posso fazer o meu próprio horário, colocando no aplicativo se estou off-line ou de férias. Também tenho a opção de avisar aos clientes que vou sair de férias, assim eles podem se programar.”

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Rede de marmiteiras em Paraisópolis

O negócio do engenheiro ambiental Felipe Gasko, de 33 anos, também usa a cozinha das casas das pessoas, mas de um jeito diferente. Pela rede duLocal, que ele lançou em agosto de 2018, marmiteiras de Paraisópolis, na periferia da zona sul da cidade, recebem cestas de ingredientes orgânicos produzidos nas bordas da cidade para preparar as marmitas vegetarianas vendidas pela empresa.

Para o empreendedor, a plataforma cumpre o objetivo de entregar pratos feitos na hora, além de servir como “alavanca de transformação social”. Com o auxílio da antropóloga Rafaela Soldan, que fez o curso de formação de cozinheiros do restaurante Maní, as cozinheiras passam por treinamentos constantes que envolvem desde a afiação de facas a práticas de organização e limpeza da cozinha.

“Todas cozinheiras têm cozinha azulejada, com tela na janela. Há um checklist de padrões de higiene que elas devem cumprir. No fundo, funcionamos como um microfranquia e as cozinheiras têm que respeitar algumas normas”, diz Gasko.

A cozinheira Renata Ferrão, da Comidinha da Rê, que entrega pelo Apptite. Foto: Felipe Rau/Estadão

A duLocal entrega via Rappi, iFood e pela própria plataforma. Atualmente, há cinco cozinheiras trabalhando para o app, que realiza cerca de 80 entregas por dia. Mais dez funcionárias já estão em treinamento - todas MEIs (microempreendedoras individuais).

“Para encontrar essas pessoas, fomos a Paraisópolis conversar com o pessoal da União dos Moradores, que ajudou a divulgar um curso de cozinha e empreendedorismo oferecido pela duLocal”, lembra Gasko. “Nesse encontro, identificamos as pessoas que tinham o perfil com interesse por cozinha e capacitação para empreender.”

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Foi com esse propósito social que a duLocal conseguiu uma vaga na atual turma do programa de aceleração da Estação Hack (do Facebook) em parceria com a Artemisia, fomentadora de negócios de impacto social.

O prato duLocal é vendido a R$ 25, dos quais R$ 5 vão para o produtor, R$ 5 para a cozinheira, R$ 1 para ingredientes extras, R$ 2 para embalagem, R$ 2 para taxas de cartão e 10% para compensar pratos não vendidos. A duLocal fica com cerca de R$ 8.

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