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Tem dinheiro, mas não é para todo mundo: 74% das startups nunca tiveram investimento

Cenário revelado por pesquisa da ABStartups mostra que é preciso combinar fase de estruturação da empresa com área de interesse dos investidores, apontam especialistas

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Por Letícia Ginak
Atualização:

À primeira vista, empreender em negócios de tecnologia parece ser uma aposta certa em tempos de digitalização obrigatória dos negócios e recordes do setor, como na aquisição de empresas e no volume de aportes. Mas um dado obtido pela Associação Brasileira de Startups (ABStartups) em seu Mapeamento 2020 mostrou que a jornada do empreendedor de tecnologia não é tão simples: 73,8% das startups nunca receberam nenhum tipo de investimento.

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Entre as que conseguiram (26,2%), 41,5% receberam aportes de investidor-anjo, 28,4%, seed e 21,6% de aceleradoras. Orestante é dividido por investimentos séries A, B e C. A pesquisa foi realizada entre maio e setembro deste ano com 3 mil empreendedores do ecossistema nacional de startups e também teve como apoio os dados do Startupbase (com 5 mil startups), da ABStartups. Hoje, há mais de 13 mil startups no País.

O gargalo na captação de investimentos não pareceu surpreender os especialistas ouvidos pelo Estadão PME. No entanto, cada um apresentou um olhar diferente sobre o tema. De acordo com as análises, há três pontos-chave para entender a questão: o empreendedor está buscando investimento na hora errada; o investidor não diversifica seu portfólio, buscando empresas que fazem a mesma coisa; e o investidor aposta no empreendedor mais do que na sua ideia. Em comum, os especialistas são categóricos: nunca se teve tanto dinheiro no Brasil para investir em startups.

Para Amure Pinho, presidente da ABStartups, empreendedor e também investidor profissional que já fez aportes em 29 startups, há um desequilíbrio claro entre o volume de startups e o de investidores ou fundos. “Há mais startups buscando investimento do que investidores dispostos a aportar capital. O problema é que, quando essa equação pende para o lado do investidor, a tendência é que ele suba a régua na hora de decidir em quem investir”, afirma.

De acordo com Amure, a maioria das startups buscam investimento na fase de ideação do negócio, quando ainda está pensando como resolver um problema. “E nessa hora, erroneamente, ele vai em busca de capital. Quando declara que não conseguiu investimento, não é pela falta do dinheiro. É que provavelmente ele não conseguiu provar tração para o investidor.” Segundo a pesquisa da ABStartups, 41,9% das startups não têm faturamento, 13,5% faturam entre R$ 50 mil e R$ 250 mil por ano e 11,8% faturam entre R$ 10 mil e R$ 50 mil por ano.

Gabriel Novais e Rafael Papa criaram o marketplace de bicicletas e esportes outdoor Semexe; para escalar, fundadores procuraram um fundo de investimento focado no setor. Foto: Werther Santana/Estadão

O presidente da entidade ressalta que, na corrida por investimento, o empreendedor que já conseguiu gerar receita é visto de outra forma pelo mercado. “Sua empresa está rodando e já tem um cliente? Comece a mandar o seu report para os investidores.” Então, validar a solução no mercado e aumentar o número de clientes são os principais fatores para os investidores prestarem atenção na startup? Depende. Segundo Daniel Ibri, professor do Insper e presidente executivo do fundo Mindset Ventures, o investidor que existe no Brasil é “muito único”.

“Quando você olha para os Estados Unidos, você vê que eles têm investidores especializados em todo tipo de coisa: em várias verticais (setores), em vários estágios, em vários modelos de empresas. A maioria dos investidores no Brasil, principalmente de venture capital, olha para a mesma coisa. ‘Eu quero um negócio com base tecnológica que já tenha tração, que tenha uma dupla forte de sócios, esses empreendedores provavelmente já empreenderam antes, um deles provavelmente já foi para Stanford…’ É uma regrinha. Todos os fundos estão competindo pelo mesmo bolo.”

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Daniel apresenta um exemplo claro de como alguns tipos de negócios não são vistos como ‘fundable’ no Brasil: a startup de tênis Allbirds, que se tornou sensação no Vale do Silício. “Um negócio desse nunca iria decolar no Brasil. Não é que falta dinheiro, mas falta dinheiro com carimbo para esse tipo de negócio.”

O especialista acredita que essa é uma característica de um ecossistema que ainda busca maturidade e alerta que o excesso de capital não significa oportunidade para criar uma startup. “Tem gente que fala ‘vou empreender porque agora todo mundo virou unicórnio’. É muito mais difícil do que parece.” 

Match de interesses com o investidor

Gabriel Novais compreende bem o cenário. Formado em administração e com mais de 10 anos de carreira, ele fundou ao lado de Rafael Papa (formado em marketing, com 13 anos de carreira e especialização em Stanford) o marketplace de bicicletas e esportes outdoor Semexe, em janeiro de 2019.

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A empresa acaba de receber o primeiro aporte de um investidor institucional, o fundoOutField Capital. A empresa já teve aporte de um investidor-anjo, e os dois aportes somam R$ 2 milhões. 

“O que eu vejo é que o fato de ser uma ideia inovadora não significa que ela consegue se tornar uma empresa bilionária. A gente ouviu de alguns fundos: a gente gostou de vocês como fundadores, a gente acredita no business, mas a gente não acredita que consiga valer X bilhões de dólares e é só assim que a conta fecha para a gente”, conta Gabriel. “O que funcionou para a gente foi entender essa prática e buscar um fundo mais especializado em esporte.”

Outro ponto, destaca ele, é o relacionamento que o empreendedor deve construir com o investidor. “No final, os fundos investem muito mais nas pessoas do que nas ideias.A gente vem trabalhando também em criar esse laço com quem tem esse poder de decisão. Se você deixar esse momento só para a hora do pitch, você vai sentar na frente dele sendo um completo desconhecido. Ficamos 10 meses conversando com o OutField Capital.”

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Bruno Rezende fundou a 4intelligence em 2016 e conseguiu o primeiro aporte para escalar este ano. Foto: Felipe Rau/Estadão

Captar para escalar

Criada em 2016, a startup 4intelligence (que trabalha com inteligência de negócios e aprendizado de máquina) nasceu baseada no modelo bootstrapping, no qual a empresa se financia e se mantém com a receita que gera.

“Depois de criarmos um algoritmo próprio, em 2019 a gente chegou à conclusão que era a hora de a gente procurar um investimento. A gente já tinha conseguido chegar em uma grande inovação com as próprias pernas, mas precisávamos de capital para acelerar e diminuir o tempo para colocar essa inovação no mercado”, conta Bruno Rezende, CEO da startup. 

Depois de um processo que durou mais de seis meses, eles captaram US$ 1 milhão com o Inovabra Ventures em abril de 2020. “A startup tende a amadurecer bastante no processo de captação, eles te forçam a pensar com mais profundidade.” Segundo ele, o investimento foi importante para escalar e começar a estruturar as vendas.

A empresa tinha 28 funcionários antes do aporte e agora já tem 55. De acordo com Bruno, a receita mais do que dobrou desde o investimento. O fundador, no entanto, ressalta outros benefícios do aporte.

“Tem outro impacto que não é o dinheiro em si, mas a experiência que o investidor vai trazer. Em poucos meses a 4intelligence amadureceu o que levaria anos. Isso porque o investidor consegue transferir conhecimento com relação a boas práticas, métricas, como estruturar uma equipe de venda, desempenho operacional. Isso foi muito impactante.”

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