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Pequenas empresas argentinas enfrentam futuro 'aterrorizante'

Mesmo após negociação de dívidas, país precisa que pequenos negócios paguem impostos para cumprir obrigações com credores e atrair novos investimentos

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Por Eliana Raszewski e Marina Lammertyn
Atualização:

A empresa têxtil de Francisco Lurueña, nos arredores de Buenos Aires, sobreviveu a 39 anos de inúmeras crises econômicas. Agora está quase fechando, impactada pelo novo coronavírus após dois anos de recessão, inflação alta e crise da dívida. 

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Sua empresa, a Rayvis SA, que tem 18 funcionários e duas fábricas de fios de acrílico, viu as vendas despencarem e interrompeu a produção por meses, um dos milhares de pequenos negócios que estão definhando no momento em que a Argentina precisa desesperadamente deles para reanimar sua economia.

"Agora é o pior momento da história da empresa", disse Lurueña. "Não sei quanto tempo temos. Recebemos ajuda de amigos, familiares. Estamos no limite, praticamente à beira do default absoluto." 

A Argentina, que acabou de fechar um acordo para reestruturar a dívida externa de US$ 65 bilhões, precisa que empresas como a Rayvis paguem impostos para que possa cumprir suas novas obrigações com os credores e atrair investimentos muito necessários para o país.

Embora o acordo da dívida tenha sido fundamental para estabilizar a economia, será em vão se a Argentina não puder recuperar o crescimento necessário para sair de um buraco fiscal profundo e repor as reservas estrangeiras esvaziadas, disseram credores, analistas e autoridades.

"O governo entrou na pandemia com desequilíbrios fiscais e monetários significativos que efetivamente o forçaram a deixar de pagar sua dívida local", disse Patrick Esteruelas, chefe de pesquisa da EMSO Asset Management. "Agora eles enfrentam um problema ainda maior por causa da cicatriz pós-covid."

No primeiro semestre do ano, 28 mil pequenas empresas argentinas faliram, apesar dos esforços de resgate do governo, segundo os dados da associação de pequenas e médias empresas do país compartilhados com a Reuters, mais em seis meses do que nos quatro anos anteriores juntos.

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Funcionário leva cadeiras para fora do restaurante Clara, em Buenos Aires, Argentina. Foto: Agustin Marcarian/Reuters

Muitas dessas empresas, que respondem por cerca de 70% dos empregos na terceira economia da América Latina, estão indo à falência, de acordo com uma dúzia de proprietários de empresas, trabalhadores e funcionários da indústria em toda a Argentina.

“As (pequenas e médias empresas) que fecharam já viviam uma crise econômica desde o ano passado - este ano tiveram a chance de avançar ou afundar completamente, e acabaram afundando”, disse Daniel Rosato, presidente da IPA, associação de indústria de pequenas e médias empresas. "Foi essa pandemia que selou o destino deles."

O presidente peronista de centro-esquerda Alberto Fernandez enfatizou o papel das pequenas empresas na recuperação pós-pandemia e lançou empréstimos a juros baixos para empresas e financiamento para ajudar no pagamento de salários como parte de um pacote de auxílio mais amplo de 1,4 trilhão de pesos (US$ 19,9 bilhões).

"O objetivo número 1 de nosso governo para a pós-pandemia será a criação de empregos", disse o ministro da Economia, Martin Guzman, apontando as políticas para impulsionar a demanda e o acesso ao crédito.

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Hotelaria, restaurantes e outros setores afetados

A covid-19 atingiu duramente o centro de produção e consumo da Argentina em torno da capital, Buenos Aires, onde medidas de bloqueio total estão em vigor desde 20 de março. Setores como hotelaria, alimentação, lojas de roupas e construção foram os que mais sofreram.

Santiago Olivera, 43 anos, disse que fechou seu restaurante 'Bad Toro' depois de ser afetado pelo lockdown em toda a cidade, que ainda permite apenas sistema de entrega de comida. "A realidade é que centenas de lojas estão fechando todos os dias", disse ele, acrescentando que inicialmente havia feito um empréstimo para manter os pagamentos, mas acabou desistindo.

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“Se continuássemos assim iríamos carregar cada vez mais dívidas e era impossível manter aluguéis, salários e serviços; impossível pagar tudo isso com as instalações fechadas”.

O apoio estatal ajudou, mas Rosato disse que o acesso a empréstimos se tornou cada vez mais difícil para empresas deficitárias que precisavam provar que podiam pagá-los. Em algumas regiões, os programas de empréstimos também foram interrompidos assim que os bloqueios totais foram suspensos.

Na província rica em petróleo de Neuquen, cerca de 1.200 quilômetros a sudoeste da capital, empresas desde produtores de energia a varejistas também estão lutando, com a queda dos preços do petróleo agravando o impacto da baixa demanda doméstica.

Equipamentos cobertos na empresa têxtil Rayvis, nos arredores de Buenos Aires, Argentina. Foto: Agustin Marcarian/Reuters

“Você anda pela rua e antes da pandemia havia uma loja fechada por quarteirão devido à crise. Agora são três”, disse Daniel González, presidente da Câmara de Comércio de Neuquén.

Ele disse que subsídios governamentais de emergência que pagam até 50% de alguns salários com um teto de 33.000 pesos argentinos (US$ 451,44) ajudaram, mas não compensaram a queda nas vendas, embora fosse difícil para as empresas "já pesadamente em dívida" pedir mais empréstimos.

"Estou preocupado com o cenário pós-pandemia, acho que estamos em uma situação muito complicada da qual será muito difícil sair."

A pandemia também aumentou a pressão sobre os setores manufatureiros que há muito lutavam na Argentina - desde a zona de produção de baixa demanda de eletrônicos e eletrodomésticos até a indústria de peças automotivas. Esta última viu 47 empresas fecharem desde 2019, 30 delas neste ano, de acordo com a AFAC, uma associação da indústria de peças para automóveis.

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Apenas o congelamento dos salários dos trabalhadores e a redução de horas do expediente evitaram grandes demissões no setor de eletrodomésticos e eletrônicos até agora neste ano, disse o chefe da associação da indústria, Federico Hellemeyer.

Federico Cuomo, dono de uma empresa que distribui bebedouros de água, descreveu o clima entre as empresas como "assustador". "A maioria das empresas está debatendo a respeito de como sobreviver", disse ele.

A tempestade perfeita de crises deixou as empresas argentinas em um estado enfraquecido, disse o ex-ministro da Economia da Argentina, Ricado López Murphy.

"Se por cima dessa grande fragilidade você recebe um tremendo choque externo, então é claro que você terá uma crise monumental", disse ele. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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