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Negócios unem tradição e inovação para conseguir chegar aos 100 anos

Para manter longevidade, endereços centenários como Casa Godinho e Casa da Boia miram sucessão e adaptação aos novos tempos

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Por Ana Beatriz Bartolo
Atualização:

ESPECIAL PARA O ESTADO

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“Isso aqui tem cheiro de saudade. Declararam a Casa Godinho como patrimônio cultural imaterial de São Paulo porque ela faz parte da memória afetiva de vários clientes que nos frequentam”, afirma Miguel Romano, de 60 anos, dono do empório de 105 anos. Localizado no centro de São Paulo, o negócio pertence ao grupo restrito de estabelecimentos comerciais que estão funcionando por mais de um século na capital paulista, assim como a Casa da Boia e o Empório Chiappetta.

Leia também: Adaptação tecnológica ajuda negócio centenário a sobreviver

O desafio dos comércios se manterem ativos por tanto tempo não se dá apenas pela necessidade de superar adversidades causadas pelos ciclos econômicos, mas também a de manter a relevância para o público, afirma o coordenador técnico dos programas de especialização da Fundação Dom Cabral, professor Samir Lótfi.

“Talvez um termo mais apropriado para eles seja ‘longeratividade’. Além de ter a empresa em longa idade, você a tem em plena atividade, conseguindo se adaptar e, ao mesmo tempo, preservar aquele valor da sua identidade”, explica Lótfi, segundo quem esses comércios são uma exceção no mercado.

Miguel Romano, de 60 anos, dono da Casa Godinho, há105 anos no centro de São Paulo. Foto: Thiago Queiroz/Estadão

Sócio da Casa Godinho há 24 anos, Romano ressalta que, apesar da memória afetiva entre os paulistanos, nem sempre a clientela fiel foi suficiente para manter o empório financeiramente estável. Por volta do ano 2000, conta ele, a clientela não segurou o volume de vendas para cobrir o prejuízo de um roubo que o empório teve perto do Natal.

“A situação estava gravíssima. Houve uma desavença entre os sócios e a gente decidiu terminar a sociedade. A casa estava a ponto de quebrar e eu arrisquei tudo”, conta Romano, que na época era o integrante mais recente da sociedade e ainda assim comprou a empresa, virando dono único. Para ter mais giro e liquidez, colocou a delicatessen para funcionar, com vendas de salgados, como as empadas que fazem fama no lugar. “Com o tempo, as pessoas que tinham medo de entrar na loja, porque achavam que era loja de rico, começaram a entrar, atraídas pela delicatessen, e perceberam que dava para comprar aqui. Aos poucos a casa voltou a florescer.”

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Para a consultora do Sebrae Esmeralda Queiroz, a longevidade dos negócios está ligada à modernização da gestão feita sem que se perca a essência construída ao longo do tempo. “Uma casa só chega a essa idade se oferecer um produto de qualidade com valor agregado, atendendo os clientes também com coisas novas. Porque os clientes vão ficando exigentes.”

Sucessão com herdeiros

Além de atualizar produtos e modernizar a tecnologia, os donos precisam passar conhecimento adiante e fazer a sucessão da gestão para que o negócio seja longevo. Esmeralda Queiroz aponta que a identificação dos herdeiros com o negócio é importante, para que eles possam ajudar na modernização e na eventual adaptação do comércio.

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Foi o que aconteceu com a Casa da Boia, loja de metais e hidráulica que existe há 121 anos no centro de São Paulo e começou com a venda de itens decorativos feitos com metais pelo fundador, o imigrante sírio Rizkallah Jorge Tahan. “Meu avô era um hábil artesão e sabia trabalhar muito bem com metal. Mas era o dom do meu avô, algo muito na mão dele”, conta o atual proprietário, Mario Rizkallah, de 68 anos, que adaptou o negócio para uma revendedora.

“Muitas indústrias começaram a fazer frente ao nosso trabalho de artesanato e a gente não podia concorrer. Com o tempo, transformamos a Casa da Boia de indústria para distribuidora de metais não ferrosos, que era a matéria prima do meu avô e algo que a gente já conhecia.”

Casa Godinho faz parte do grupo restrito de estabelecimentos comerciais de administração familiar que estão funcionando por mais de um século na capital paulista. Foto: Thiago Queiroz/Estadão

Além disso, aponta o professor Samir Lótfi, a sucessão deve ter regras claras, para não afundar o negócio em disputas familiares. “É fundamental ter regras claras, com protocolos que separem muito bem família, propriedade e gestão e que vão nortear, entre outras coisas, a ascensão de membros da família a cargos executivos.”

Rizkallah, que trabalha na loja fundada pelo avô há 45 anos, diz que no próximo semestre deve começar a ensinar à filha sobre o negócio, mesmo que seja para ela aprender sobre empreendedorismo antes de partir para os próprios projetos, diz. “A Casa da Boia é uma escola. As novas gerações ensinam às velhas sobre tecnologias, e as velhas vão passando às novas as suas experiências.”

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Essa tradição também faz parte do Empório Chiappetta, loja de secos e molhados tradicional do Mercado Municipal de São Paulo. Ao longo dos seus 111 anos, o comércio hoje está sob a terceira geração da família.

“Meu pai deu continuidade após meu avô. Quando meu pai estava para se aposentar, teve uma conversa com o meu irmão Alfredo. Meu irmão tirou férias do trabalho e veio trabalhar com meu pai. Depois disso, achou que valia a pena continuar os negócios”, conta Eduardo Chiappetta, de 54 anos, um dos três irmãos responsáveis pelo empreendimento.

Hoje, um dos sobrinhos, Renato, também ajuda na administração e foi importante para o empório em 2011, época em que o negócio entrou em recuperação judicial por causa de dívidas decorrentes da alta do dólar de 2002. “Ele estudou publicidade e, nessa fase em que a gente precisou fazer ajustes, ele ajudou a desenvolver produtos que hoje nós fabricamos”, diz Eduardo sobre itens como sorvete.

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