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Maquiagem negra a baixo custo sobrevive com internet e revendedoras

Sem loja própria, pequenos negócios de cosméticos para pele negra relatam barreira para entrar em farmácias; marcas como DaMinhaCor, Divas Bllack e Muene atuam em redes sociais e loja online

Por Anna Barbosa
Atualização:

Pelo menos 22% dos empreendedores negros têm vontade de montar seu próprio negócio para atender o público afro, diz o estudo Empreendedorismo Negro no Brasil, realizado no ano passado pela aceleradora PretaHub. No mundo dos cosméticos não é diferente, principalmente quando o assunto é maquiagem para pele negra.

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O assunto não é novo: grandes marcas como a americana MAC e as brasileiras Boticário e Natura há alguns anos já passaram a olhar para essa demanda de mercado, oferecendo novas tonalidades de pele. Mas o preço, com bases que variam em torno de R$ 80 e R$ 120, é nota de corte para muitas consumidoras negras. Assim, pequenos negócios como DaMinhaCor e Divas Bllack aproveitam o nicho para oferecer a negras um produto feito por negros e a um baixo custo, com maquiagens em torno de R$ 40.

Estrutura de equipe enxuta, diversas negociações com a fábrica e a importação de embalagens são os principais fatores que auxiliam na redução do valor para o consumidor, conta o casal fundador da marca DaMinhaCor, Michele Eduardo e Maurício Delfino, que já vendiam toucas de natação para cabelos afro e lançaram a linha de maquiagem Nubia Afri no ano passado.

As tonalidades variam do tom mais clara (110) até o mais retinto (190) Foto: Felipe Rau

A base, que tem cinco tonalidades, é encontrada por R$ 38, tanto no site da marca quanto com revendedoras. “A maquiagem é um produto que dura pouco tempo. É importante que haja acessibilidade para nossa cliente comprar novamente”, diz Maurício.

Para baixar o preço final, a empreendedora Rosane Terragno, que lançou a marca Divas Bllack em 2018, conta que faz produção em grande escala: em dois anos, foram dois lotes de 10 mil unidades. Ao sair da fábrica, conta ela, o produto não passa por intermediários: vai direto para a mão dela e é vendido em sua loja ou por revendedoras, a R$ 23.

Para chegar ao consumidor, o canal de vendas se torna parte essencial para os pequenos. Eles relatam que tentaram entrar em grandes distribuidoras e redes de farmácias e receberam negativas. Daí, é preciso fazer trabalho de “formiguinha”, com vendas online e formação de rede de revendedoras.

“As grandes lojas não aceitam o produto, as drogarias falam que não tem mercado ou pedem um enxoval - cerca de 10 mil produtos como primeiro lote gratuito”, relata Delfino. O empreendedor explica que, para colocar sua maquiagem em locais que pedem o ‘enxoval’, teria de aumentar o valor final do produto. “O preço das grandes marcas é mais alto porque pensam em como colocar os produtos em todas as lojas do Brasil”, completa.

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Essa dificuldade não é relatada apenas por empresas novas. Até mesmo a Muene, desde 1988 no mercado, considerada a pioneira para maquiagem de pele negra e miscigenada no País, não conseguiu se inserir em certos pontos de venda.

Maurício Delfino e Michele Eduardo são os fundadores da DaMinhaCor, empresa de maquiagem e moda esportiva voltada ao público afro . Foto: Felipe Rau

“Eu tentei entrar nas drogarias, mas o preconceito é muito forte. As pessoas não gostam nem de trabalhar para pessoas negras nem de trabalhar sob a direção de uma mulher”, conta Maria do Carmo Valério, a criadora da marca.

Filão das farmácias e o negro no Brasil

Dos R$ 53 bilhões movimentados por farmácias e drogarias, cerca de R$ 17 bilhões vêm de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, com a maior alta desde 2015 (11%), de acordo com a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma).

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Ao tentar entrar neste mercado ou em grandes distribuidoras, os empreendedores relatam que uma das justificativas mais usadas para as negativas é que não há público para isso. “As pessoas vão no Instagram pedir, falam que procuram e não encontram em lugar nenhum. Nós entramos em contato com as lojas que elas indicam e eles respondem que não tem público”, diz Rosane Terragno, da Divas Bllack.

Hoje, a população negra (composta por pardos e pretos) soma 55,8% do País, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), e movimenta cerca de R$ 1,7 trilhão em consumo, de acordo com dados do Instituto Locomotiva. São uma potência de mercado que fomenta o chamado black money.

A linha lançada em junho de 2019 pela DaMinhaCor conta com 5 tons de base e 6 tons de pó compacto Foto: Felipe Rau

A maquiadora e especialista em maquiagem para pele negra Daniela Da Mata conta que, ao focar sua escola de automaquiagem em mulheres negras no final de 2012, a DaMata Make Up, chegou a se perguntar qual marca usaria, pois as opções do mercado eram escassas. “No início, além das grandes marcas, só havia outras duas marcas que eram voltadas para pele negra: a Cravo e Canela, que minhas tias e avós usavam e que não existe mais, e a Muene”, conta.

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Com o passar dos anos, o mercado foi se expandindo e, em 2017, a cantora americana Rihanna lançou a marca Fenty Beauty, considerado um divisor de águas no setor. A linha internacional chegou no mercado com 40 tons, de subtons amarelados e avermelhados.

A pigmentação usada nas bases é ponto crucial nesse tipo de negócio, já que há pigmentos que podem acinzentar a cor da pele ou apenas ser um subtom. “É preciso criar tonalidades que funcionem para as pessoas. É necessário observar a cor das pessoas”, diz Daniela Da Mata.

Rose Terragno, que fez questão de contratar uma consultoria para a produção de sua base, completa: “Hoje, todas as marcas estão colocando mais cores, mas poucas estão indo atrás de saber se isso se adapta à pele negra.”

Já Delfino, da DaMinhaCor, conta que a empresa fez testes com cerca de 50 mulheres negras de diferentes tons antes de iniciar a produção e diz focar em entender do que elas precisam. “Quando os grandes fazem alguma coisa, os negros são tratados como a sobra. Nós pensamos em um negócio exclusivo para pele negra”, diz ele.

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