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Uma receita de bagel e uma rede de empreendedores pelo mundo

Padeira autodidata americana vira consultora para negócios das Bahamas à Austrália a partir de sua cozinha em Nova Jersey, dando consultoria para novos gestores, com ou sem experiência

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Por Alan Neuhauser
Atualização:

NOVA JERSEY - Beth George estava sentada em sua cozinha quando chegou um e-mail no seu celular. “Tenho ido muitas vezes a Nova York a passeio e cada vez que volto sinto uma falta incrível dos bagels. O sabor é extraordinário e gostaria de abrir uma sucursal na Holanda”, escreveu o remetente. E o e-mail continuou: “O fato é que não sei por onde começar, não sou um cozinheiro profissional. Na verdade, trabalho com tecnologia da informação”.

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Este foi o segundo e-mail que ela recebeu nesse dia e o quinto em agosto. Uma mensagem de dois indivíduos desejando abrir uma loja em Pittsburgh, um grupo de cinco pessoas de Dallas, de uma mulher na Suécia e um e-mail da Índia. “Este negócio começou como um hobby. Agora é contínuo”, disse Beth. Oficialmente, Beth George é advogada. Mas desde 2013 ela trabalha dia e noite como uma das poucas, e mais procuradas, no mundo, consultora desse pão chamado bagel.

Das Bahamas à Arábia Saudita, da Índia ao Chifre da África, dezenas de padeiros – novatos e profissionais – têm contratado os serviços dela para adaptarem receitas, orientar seus planos de negócio, auxiliar no layout das suas cozinhas e ficar à disposição para ajudá-los a solucionar problemas de última hora, desde o momento de fazer a massa e enrolar os bolinhos até serem fritos ou assados.

“Os cinco únicos ingredientes são água, farinha, açúcar, sal e fermento”, diz Beth, de 57 anos. “Mas o que as pessoas não sabem é que é um processo – e elas têm de entender que estão comprando esse processo. O que me surpreende é que muitas pessoas querem fazer isto. Diariamente. É muito louco.”

Trabalhando em uma cozinha comercial em Fair Lawn, chamada BYOB Bagels – que significa Be Your Own Boss and Build Your Own Business – Beth George já auxiliou na abertura de 50 padarias especializadas em bagel em cada continente salvo a América do Sul e a Antártida. E melhorou o que chama de “jogo do bagel” em mais de 20. (A 60 quilômetros de Hamburgo, em Nova Jersey, há uma outra consultoria, How to Open a Bagel Store, dirigida por Rob Goldberg, cuja família é proprietária das duas dezenas das conhecidas padarias Famous Bagels espalhadas por toda a região metropolitana de Nova York. Ele já deu consultoria para 20 padarias independentes.)

Esta fonte de know-how, receitas e inovação dos bagels não é, como poderia se supor, de uma pessoa idosa trabalhando numa cozinha no porão no Brooklyn. Mas de uma americana-libanesa autodidata que vive do outro lado da ponte George Washington, em North Jersey.

A americana Beth George com suareceita de bagel, preparadaem Nova Jersey e que ajuda empreendedores em todo o mundo. Foto: Michael George/The New York Times

“Eu tenho uma vocação natural para a matemática, consigo enxergar uma coisa e começo a criar fórmulas matemáticas – rudimentares, mas são fórmulas”, afirmou Beth George. “Escrevi minha primeira receita de bagel na contracapa de um livro de receitas libanesas.

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Muitos dos seus clientes são marinheiros de primeira viagem: arquitetos, engenheiros, contadores, professores, designers gráficos e empresários, todos nutrindo um sonho de empreendedorismo fomentado pela simplicidade e adaptabilidade do bagel.

Mas essa disponibilidade pode levá-los a suposição errônea de que a confecção dos bagels é fácil. “Eu me perguntei: ‘O quão difícil é?’. Trata-se de farinha e ingredientes, cream cheese”, conta Elizabeth Rubin, de 55 anos, expatriada de Manhattan que abriu o Jimmy & Joan's New York, uma loja chique de lustres, há dois anos em Gotemburgo, na Suécia. “Mas foi muito mais difícil do que pensava.”

O desafio de fazer bagel

A massa, por exemplo, envolve dias ou semanas de tentativas e erros, com diferentes farinhas e enzimas, para imitar a crocância e a textura do bagel de Nova York; adaptar a receita à umidade e à temperatura do local; e ajustar a quantidade de tempo que massa dos bagels precisa descansar.

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Mas também há a questão do marketing – como criar as expectativas e despertar o interesse numa iguaria de Nova York que, no exterior, não parece muito familiar. “As pessoas não entendiam porque tinham de pagar um determinado preço pelos bagels, comparado com o que pagavam pelos seus sanduíches, por causa de um buraco no meio”, disse Jonathan Jablonski, fundador e diretor executivo da Factory & Co., cadeia com sede em Paris de 33 padarias de bagel (que hoje também serve hambúrguer e salada), com outras dez com previsão de abertura nos próximos meses.

Beth George sabe o que é aprender todo o processo. Ela entrou nesse setor de consultoria de bagel por meio de seu sócio, Frank Mauro, de 81 anos, nova-iorquino simpático que é um vendedor veterano de equipamentos para fabricação de bagels.

Os sócios Ania Kutek (à esq.) e Eddy Tice usam as orientações da americana Beth George na loja que abriram em Brisbane, Austrália. Foto: JD Suarez Photography via The New York Times

O trabalho em conjunto deles começou com um desafio: em 2007, Beth, ainda trabalhando em tempo integral como advogada no Maine, ela começou a fazer experiências com confecção de pães em casa quando descobriu que seu filho era alérgico a glúten. O que começou como um projeto doméstico rapidamente conquistou uma clientela de amigos e familiares e logo seus pães foram parar nas prateleiras de padarias, do Hannaford até o Whole Foods Market. Beth chamou a empresa de Spelt Right.

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Ela contatou Mauro, chefe de vendas da Excalibur Bagel & Bakery Equipment, na época sediada em Paramus, Nova Jersey, porque precisava de um aparelho que a ajudasse a atender à demanda: uma máquina de bagel, uma engenhoca com uma engrenagem metálica de rotação e uma esteira cujo design não mudou muito desde os anos 1980.

Mauro mostrou descrença. Durante anos ajudando milhares de padarias de bagel, ele recebia dezenas de telefonas de aspirantes a padeiros. Muitos desejavam produzir pães sem glúten. Mas mesmo se o seu objetivo fosse produzir pãezinhos redondos feitos à mão, a massa inevitavelmente ficava muito pegajosa ou muito seca para ser mecanizada, grudando na engrenagem de metal ou ficando quebradiça.

“Disse a ela que não ia dar certo. Mas se viesse com sua receita e se desse certo, eu a ajudaria no que precisasse”, disse Mauro. Beth naquele dia voltou para casa com uma Excalibur Bagel Divider & Former na sua picape.

A Spelt Right acabou em 2015, afetada pela disparada repentina dos preços dos grãos de espelta. Mas Beth e George continuaram em contato e, à medida que ele vendia mais máquinas de bagel, misturadores e outros equipamentos para muffin, em todo o mundo, começou também a atender clientes dela e os ensinava a usa-los.

A advogada Spurthy Akshar passou a fazer bagels para vender a partir de sua casa, na Índia, com a receita da autodidata de Nova Jersey. Foto: Jyothy Karat/The New York Times

Entre os primeiros compradores estavam um policial aposentado e uma assistente social em Marathon, Flórida, que estavam intrigados porque seus bagels cresciam como balões. (Resposta: excesso de fermento no ar na padaria que tomava conta do espaço). Logo depois, Beth visitou a Factory & Co., em Paris, cidade especialista na produção dos delicados croissants e brioches muito leves, mas desconcertada quando se tratava de fazer bagels.

“As pessoas tentavam fazer os bagels no estilo francês. Não funciona. Não é a mesma coisa. Precisávamos do conhecimento dela para melhorar nosso bagel”, avaliou o proprietário Jablonski. Outros clientes tiveram problemas similares. Os bagels ficavam encorpados, ou murchavam, ou então esfarelavam. Às vezes sem aroma.

Ed Thill, que começou a fazer bagels em 2016, disse que seus bagels ficavam “muito parecidos com pão”. “Beth adota um enfoque científico e é realista. Ela me explicou simplesmente que 'isto é o que as pessoas querem. Recomendo usar esta fórmula e aqui está como vamos fazer'”. Sua padaria, a Goldilox Bagels, foi inaugurada no ano passado em Medford, Massachusetts, com excelentes críticas.

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/ Tradução de Terezinha Martino

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