Transformar hobby em negócio é mais realidade do que fantasia na pandemia

Com o mercado de trabalho de pernas para o ar, ganha espaço o sonho de transformar um passatempo em um empreendimento rentável, com produção de comida, sabonetes ou vinil

PUBLICIDADE

Por Alex Williams
Atualização:

Uma motorista da FedEx que faz sabonetes artesanais. Uma cabeleireira vendendo comida vietnamita vegana. Uma gerente de restaurante reformando jaquetas jeans. O sonho de transformar um hobby em um negócio ou uma carreira de plano B é quase um clichê da "gig economy" (economia colaborativa), com inúmeras dicas publicadas sobre venda de quadrinhos antigos, fazer cerveja, jogar videogame e até contar piadas.

PUBLICIDADE

Depois de um ano marcado pela pandemia do novo coronavírus, no entanto, em que milhões de pessoas perderam seus empregos em todo o mundo, isso está começando a parecer mais uma necessidade do que uma fantasia, especialmente para pessoas que foram demitidas ou forçadas a deixar seus empregos para cuidar de crianças que estudam remotamente.

O Yelp registrou quase 100.000 encerramentos de empresas nos Estados Unidos durante os primeiros oito meses de 2020, mas também um aumento de 10% em novos negócios que vendem cupcakes, donuts, bolos, macarons e outros doces. O Etsy viu um aumento de 42% em novos vendedores no terceiro trimestre de 2020, em comparação com o ano anterior.

“Pode ser que alguns apenas quisessem responder ao seu chamado criativo”, disse Dayna Isom Johnson, especialista em tendências do Etsy. “Mas para muitos durante este período sem precedentes, são pessoas que enfrentaram desafios financeiros inesperados, sejam elas desempregadas ou afastadas de seus empregos.”

Aqui estão cinco pessoas que mudaram de carreira durante a pandemia:

Lives sobre como fazer molho de tomate

“Cresci em uma família ítalo-portuguesa”, disse Dan Pelosi, diretor de criação da Ann Taylor, que supervisiona o design e o marketing da loja. “Comida é o que fazíamos.”

Publicidade

Caseiro, como ele mesmo se define, Pelosi, que divide um apartamento de três quartos no bairro do Brooklyn em Nova York com dois colegas, encontrou sua própria maneira de lidar com a existência sufocante da quarentena. “Todo mundo saiu e arranjou um parceiro sexual”, disse ele. “Eu estoquei minha despensa.”

No auge dos lockdowns na primavera, Pelosi, um ávido cozinheiro em casa e fashionista alegre com uma personalidade elétrica, começou a postar close-ups suntuosos mostrando sua versão de antigos pratos de família, como rigatoni com “molho” de vodca e lasanha de carne, em seu perfil no Instagram (@grossypelosi).

Ele não teve nenhum treinamento formal para cozinhar, mas suas receitas passavam a sensação de comida caseira e de "hoje vou fazer algo bom por mim". “Comecei a receber mensagens de trabalhadores essenciais como: ‘Volto do trabalho para casa e vejo seus stories, e isso é uma fonte de conforto para mim’”, disse Pelosi.

Do emprego numa marca de moda feminina direto para panelas e pratos com antigas receitas de família. Foto: Sam Cannon/The New York Times

À medida que seu número de seguidores crescia, marcas tão diferentes quanto Chobani, Ikea e Grindr entraram em contato para parcerias. O Pinterest pediu que ele fosse um criador de conteúdo pago, o que ele gostou particularmente. “Refiro-me a mim mesmo como uma mãe gay do Pinterest”, disse ele. “Eu tenho um feriado anual de biscoitos. Faço festas para esculpir abóboras. ”

PUBLICIDADE

No verão, cozinhar havia se tornado mais um segundo emprego do que uma atividade secundária. Agora, com 52.000 seguidores no Instagram, um site chamado GrossyPelosi que atrai 37.000 visitantes por mês, bem como um agente de livros e linha de produtos chamada This Too Shall Pasta (todos os rendimentos beneficiam a Sage, uma instituição de caridade para idosos LGBTQI+), ele vê seu futuro com a comida, não com a moda.

Fabricando vinis no porão

“Muitas pessoas estão tentando trabalhar em TI”, disse Eric Warner, um programador da web em Chippewa Falls, Wisconsin. "Estou tentando deixar de trabalhar com isso."

Publicidade

A quarentena pode ter dado a ele aquele empurrão de que precisava. Enquanto estava isolado em casa com sua esposa e dois filhos, Warner, 46 anos, iniciou uma segunda carreira que espera se transformar em sua principal fonte de renda: cortar discos de vinil personalizados em seu porão, frequentemente para aniversários.

Dois anos atrás, ele comprou um torno de disco de US$ 10.000, que se parece com uma mesa giratória de DJ gigante a bordo do Estrela da Morte. É uma máquina altamente especializada que envia um sinal analógico a uma agulha de diamante que esculpe ranhuras em um disco em branco.

Em altaPme
Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

“Não há realmente nenhuma razão para alguém querer comprar um”, disse ele. Como um ex-produtor de rave, Warner sonhava em começar um selo independente de música ambiente, o Abstrakt Xpressions, mas a máquina ficou a maior parte do tempo no porão. Até a pandemia.

Sua esposa, Izabella, 43 anos, que dá cursos online para universidades, não conseguiu encontrar trabalho e ele teve que cortar o número de clientes de webdesign para ajudar a criar seus filhos, de 5 e 11 anos. Os dias foram difíceis e longos.

Buscando um uso mais comercial para seu torno, o casal abriu uma loja no Etsy chamada Vinylus, vendendo álbuns personalizados - basicamente, "mixtapes" de vinil - com arte personalizada por preços que vão de US$ 95 a US$ 110.

De cortes de cabelo para a cozinha vegana

Como cabeleireira particular de designers da Nike, executivos da Amazon e outros clientes abastados, Thuy Pham estava vivendo uma vida e tanto.

Publicidade

“Conseguia ganhar um bom dinheiro trabalhando apenas três ou quatro dias por semana, o que era uma ótima agenda para uma mãe solo”, disse Thuy, 40 anos, que mora em Portland, Oregon, com sua filha de 7 anos, Kinsley. “Eu estava viajando, indo a festivais de música. Se você tem uma carreira como essa, por que consideraria abandoná-la? ”

Então Portland entrou em lockdown em março e isso paralisou seu ganha-pão. Para passar o tempo, ela começou a vasculhar o YouTube em busca de receitas vietnamitas sem carne (Thuy é vegana), como barriga de porco artificial feita com leite de coco, tapioca e amido de arroz, no estilo tradicional dos monges budistas vietnamitas.

“Cozinhar para mim sempre foi uma forma de compartilhar amor e afeto com minha família”, disse Thuy, que veio do Vietnã para os EUA como refugiada na década de 1980.

Comida vietnamita feita por cabeleireira, que já pensa em ampliar a delicatessen para outra cidade. Foto: Sam Cannon/The New York Times

Ela ficou muito feliz com os resultados, então em abril ela transmitiu a receita ao vivo no Instagram como uma forma de manter contato com seus clientes. “Poucos minutos depois de entrar no ar, recebi mensagens de clientes pedindo para comprar minhas fatias de barriga de porco”, disse ela. “Eu imediatamente pensei que essa poderia ser uma maneira de eu sobreviver até que pudesse voltar a trabalhar como cabeleireira.”

No final daquela semana, Thuy havia recebido 100 pedidos. Em duas semanas, ela estava vendendo e enviando para todo o país.

Em novembro, ela abriu uma delicatessen vietnamita chamada Mama Dut (que significa "mamãe, alimente") no bairro de Buckman, vendendo pãezinhos bao sem carne de porco, banh mi de cogumelos e outras criações exclusivas para serem retiradas no local ou entregues em domicílio de bicicleta.

Os negócios estão indo bem. Thuy espera fazer US$ 350.000 em receita este ano e quer expandir a Mama Dut para Los Angeles.

Publicidade

Bolhas por todos os lados

Quando as escolas fecharam em março por causa da pandemia, Tiffany Dangerfield, 31 anos, de Huntsville, Alabama, teve uma escolha difícil: continuar trabalhando por longos dias como entregadora para a FedEx ou ficar em casa com seus três filhos.

“Não havia como meu filho de 4 anos colocar a si mesmo na aula ao vivo todas as manhãs”, disse Tiffany.

Ela assumiu as funções de professora em casa, enquanto seu marido, James Dangerfield, 31 anos, trabalhava como operador de montagem para uma empreiteira local. O dinheiro estava apertado, mas ela logo encontrou outra fonte de renda.

Cerca de uma década atrás, seu marido era cabo do Exército servindo em Vicenza, Itália, e seus filhos estavam sofrendo de eczema e pele seca crônica. Nada que os médicos receitavam parecia funcionar, então ela começou a fazer sabonetes sem produtos químicos.

Ela fez sabonetes para a família e amigos e, quando a pandemia surgiu, eles a convenceram a vendê-los online. Em pouco tempo, Tiffany havia convertido sua sala de jantar em um estúdio entulhado de jarras de óleos, misturas em tigelas e materiais de embalagem. E ela começou a vender sabonete de amora e baunilha, manteiga corporal com aroma de cedro e esfoliantes de açúcar com óleo de coco em sua loja no Etsy, We Made It Soap Co.

Levou meses para o negócio ganhar força. Ela agora atende mais de 30 pedidos por mês de produtos curiosos como sabonete de carvão ativado com feromônios (US$ 7), esfoliante com pó de café (US$ 8) e manteiga corporal com framboesa e baunilha (US$ 9).

Publicidade

Jeans deslumbrante

Em agosto, Sonia Murga, 38 anos, gerente do Mr. Chow, um restaurante movimentado no bairro de Tribeca, em Nova York, estava a caminho da farmácia perto de seu apartamento em Ridgewood, Queens, quando ouviu um estalo alto.

Seus ouvidos começaram a zumbir. O sangue escorreu por suas costas. Uma bala de 9 milímetros de um tiroteio entre gangues tinha atingido seu crânio. Enquanto se recuperava em um hospital no Queens, Sonia chegou a uma conclusão.

“A vida é curta”, disse ela, “e não há nada a perder ou temer”. A pandemia provou ser um momento oportuno para mudar o curso de sua vida. Depois de ser dispensada do trabalho em março, Sonia começou uma linha de roupas, a Xcept Sunday: enfeitando jaquetas jeans reaproveitadas com cristais Swarovski, broches antigos e estampas de vinil. Os itens são vendidos por preços que vão desde US$ 295 a US$ 1.500.

Adotando o modelo de peças limitadas, Sonia planeja lançar de 10 a 15 novas jaquetas a cada temporada, além de encomendas personalizadas. Suas receitas são de cerca de US$ 2.000 a US$ 4.000 por mês, o que lhe dá esperança de dias melhores.

"Estar em uma maca de hospital", disse Sonia, "me fez perceber que não queria ser lembrada por vender satay de frango." / Tradução de Romina Cácia

Quer debater assuntos de Carreiras e Empreendedorismo? Entre para o nosso grupo no Telegram pelo link ou digite @gruposuacarreira na barra de pesquisa do aplicativo. Se quiser apenas receber notícias, participe da nossa lista de distribuição por esse link ou digite @canalsuacarreira na barra de pesquisa.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.