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Refugiado quer ir além da comunidade

Avessos à velha fórmula de abrir restaurantes para atender aos conterrâneos, empreendedores egressos de países em situação de guerra ou vítimas de ameaça política procuram se espalhar pela cidade

Por Vivian Codogno
Atualização:
Pitchou Luhata Luambo, refugiado do Congo, é dono do restaurante itinerante Congolinária e estáfazende uma campanha de crodfounding para montar um espaço fixo na Lapa Foto: JF DIORIO/ESTAD?O

Arroz com folha de mandioca. Essa é a base da alimentação em algumas regiões da República Democrática do Congo e também um dos pratos que o empreendedor Pitchou Luhata Luambo, dono do restaurante itinerante Congolinária, quer mostrar à clientela paulistana. Refugiado desde 2010, quando chegou ao Brasil, ele encontrou na abertura da casa a chance de manter uma ponte com o país de origem, popularizar sua cultura e sobreviver. Advogado por formação, Luambo conta que encontrou dificuldades para validar o seu diploma no Brasil. Depois de vagar pelas ruas de São Paulo, trabalhar como operador de empilhadeira, ele juntou as economias e aplicou na montagem do restaurante, que funciona ao lado da estação de metrô Vila Madalena, propositalmente estabelecido fora do Centro, onde fica o grosso da comunidade congolesa. “Eu não gosto de guetos e não cozinho para guetos. Se no meu restaurante começa a aparecer só congoleses, é sinal de que meu negócio não está dando certo”, diz ele com o ‘erre’ carregado de quem tem o francês como idioma materno.

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Pitchou Luambo faz parte de um movimento novo, porém crescente, de imigrantes que tentam espalhar sua cultura de origem pelos bairros da cidade com pequenos empreendimentos. Em comum está a tentativa de romper com o tradicional foco no atendimento à comunidade, tentando inserir o negócio no dia a dia dos brasileiros.

Esse fluxo já é notado por organizações de acolhida na região central, como a Missão Paz da Paróquia Nossa Senhora da Paz, na Baixada do Glicério. “É uma constatação real. Os negócios de refugiados, principalmente os que envolvem alimentação, estão se espalhando pela cidade”, comenta Paolo Parise, à frente da maior missão de acolhida de imigrantes chegados da América Latina, África e Oriente Médio. “Começa como estratégia de sobrevivência e, com o tempo, vira uma postura de integração ao contexto da cidade”, analisa.

Com a documentação em dia, Pitchou iniciou uma campanha de financiamento coletivo para viabilizar a abertura de uma sede do Congolinária na Lapa, bairro da zona oeste da cidade. Ele pretende arrecadar R$ 70 mil para comprar equipamentos e pagar o aluguel dos primeiros meses de funcionamento.

“Percebo que meus clientes não querem só comida, eles querem conhecer mais sobre o Congo”, analisa Pitchou. “O Congolinária atrai muitos curiosos, as escolas querem levar alunos para o restaurante. E eu quero construir um pedaço do Congo em São Paulo”, prospecta o empreendedor. Luambo é um dos mais de 968 congoleses que receberam visto de refúgio junto ao Comitê Nacional para Refugiados (Conare). A República Democrática do Congo é atualmente a quarta nação em pedidos nesse sentido no Brasil, atrás apenas de Síria, Angola e Colômbia.

Do outro lado da cidade, na Vila Dalila, zona leste, o também congolês e refugiado no Brasil há quatro anos Omana Petench concilia a vida de professor de línguas em um apequena escola de idiomas na Vila Mariana com a realização de eventos culturais que envolvem aulas de gastronomia e serviço com refeições típicas aos fins de semana.

O que começou pela necessidade de se sentir em casa em um lugar estranho hoje é principal fonte de rendimento de Pentech, que é formado em Letras, Ciências e Cultura Africana na Universite Nationale Pedagogique, do seu país de origem.

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“É muito bonito ver a comida da nossa terra se espalhando por São Paulo”, comemora o professor. “Logo serão negócios mais rentáveis, que vão inspirar novos outros negócios. Sempre que algum recém chegado pede minha opinião sobre montar um restaurante, eu aconselho a migrar para bairros”, pontua o empreendedor.

Tradição. Já são quase seis da tarde quando o sírio Tarek Baalbaki Asse se prepara para começar mais uma fornada de esfihas de carne e queijo. A encomenda, grande para os padrões do restaurante Damascus, deve ser entregue até as dez da noite.

O mais jovem entre os quatro empreendedores à frente do negócio, Tarek é o único que aceita conversar com a reportagem em português. Há três anos no Brasil, ele é mais um dos 2.298 refugiados vindos da Síria. Localizado em Pinheiros, o Damascus destoa da maioria dos restaurantes típicos em São Paulo, geralmente abrigados nas cercanias do bairro Campos Elíseos, região central. “Os aluguéis em São Paulo são muito caros, e no centro isso tem piorado. A preocupação com segurança também encarece o negócio por lá.”

Os mesmos altos preços fez com que a síria Muna Darweesh escolhesse o bairro do Cambuci, na zona sul, para residir e abrir seu restaurante, o Sabores & Memórias Árabes. Há três anos refugiada no Brasil com o marido e os quatro filhos, ela conta que toda a sua clientela é composta por brasileiros. “Comecei vendendo doces na Rua 25 de Março, e percebi que o bairro estava cheio de sírios”, conta. “Eu precisava me diferenciar”, relembra.

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