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Propósito: soa abstrato, mas pode definir o sucesso de sua empresa

Conceito mostra caminhos para negócios conquistarem clientes além da venda do produto; para especialistas, significado da empresa deve ir além do lucro

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Por Nathalia Molina
Atualização:

Especial para o Estado

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O universo dos negócios é prodigioso em neologismos. De tempos em tempos, aparece um. Já considerado tendência para empresas se diferenciarem, um conceito ganhou força diante da pandemia do coronavírus e botou muita gente para repensar o mundo: propósito. Afinal, o que significa isso? Essa noção, aparentemente abstrata, pode determinar o sucesso real de uma empresa.

O 2020 Global Marketing Trends, relatório da Deloitte Insights divulgado no fim do ano passado, apontou que companhias mais conectadas ao ser humano se destacam aos olhos dos consumidores em meio a tanta tecnologia, de inteligência artificial a e-commerce. E quem tem propósito sai na frente. Para esmiuçar o tema, o Estadão PME ouviu especialistas e empreendedores, que explicam a vantagem estratégica de estar atento a esse conceito no ambiente de negócios pós-covid-19.

Mas o que é propósito?

“É a razão de existência do business, o significado da empresa para além da maximização do lucro. No fundo, é uma coerência com você mesmo como empreendedor”, responde Guilherme Fowler, professor de Estratégia do Insper

Segundo Marcus Salusse, professor e pesquisador do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV), organização e indivíduo estão muito conectados em empreendimentos pequenos. “Produtos e serviços são o que a empresa faz, o processo é o como. Propósito é o porquê”, completa.

Eduardo Rodrigues, gerente da loja Mais Pano, marca de roupas voltada para o público masculino plus size, em São Paulo. Foto: Alex Silva/Estadão

Leone Masiero viu no público masculino plus size o motivo para criar a Mais Pano. Nem ele nem ninguém próximo precisava de roupas maiores. O pai vendia peças para homens desde os anos 1970 em uma feira, ouviu os pedidos da clientela e começou a trabalhar com tamanhos grandes. “Via que o pessoal tinha muita vergonha de experimentar ao vivo”, diz Masiero, contando como criou a marca de moda já na internet em 2011.

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“Sempre tive o sentimento de que estava fazendo uma coisa bacana. Eu trabalho com a autoestima dessas pessoas”, afirma o empresário. A marca de Volta Redonda, no interior do Rio, abriu a primeira loja em 2019 em São Paulo – metade dos consumidores do site morava na capital paulista.

Ao longo de nove anos, saiu de 10 a 20 peças vendidas por mês para 12 mil em agosto passado. Caso a expectativa de faturamento anual de R$ 3 milhões se concretize, a Mais Pano dobra o valor de 2019.

“É possível ganhar dinheiro com propósito, sim. A nossa educação separa em caixinhas, mas o mundo não é assim. Eu pego aquilo que identifiquei como um propósito e estruturo com uma lógica empresarial”, afirma Paulo Renato Macedo Cabral, gerente de Inovação do Sebrae Nacional. “No mercado, isso é traduzido como negócio de impacto, social ou ambiental.”

Embora a visibilidade seja grande em empresas com essas características, o conceito não se limita a esse viés. “O propósito do Google é organizar as tarefas, o do TED (que promove conferências) é contar histórias que inspiram, o nosso é tornar mães líderes e livres economicamente por meio da educação”, afirma Dani Junco, cofundadora da aceleradora de startups para mães empreendedoras B2Mamy.

Espaço da aceleradora B2Mamy, na reabertura durante a pandemia: foco em mães empreendedoras. Foto: Paulo Liebert

As quatro fundadoras eram sócias em uma empresa de marketing para a indústria farmacêutica. Em 2015, mudaram completamente o negócio. “Nasceu na minha maternidade. Hoje 12 mil mulheres já passaram pela B2Mamy.”

Toda empresa tem de ter?

Fowler e Cabral defendem que, embora seja uma tendência, nem todo negócio precisa ter propósito. “O pior dos mundos é você dizer que tem um e não viver de forma coerente com ele. Só porque é moda? O consumidor e os parceiros percebem. É um tiro no pé”, afirma o professor do Insper, autor do livro Estratégia Baseada em Design.

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Os dois também alegam que existem muitas organizações funcionando bem sem essa premissa. “Para o consumidor de média e alta rendas, mais consciente e com maior escolaridade, essa é uma tendência. Mas o grande volume, a base da pirâmide, ainda são produtos que não têm propósito”, diz o gerente de Inovação do Sebrae. “Tem muita empresa que só precisa ser rápida e eficiente.”

De acordo com Cabral, o Sebrae pretende lançar a partir de 2021 cursos para quem quiser se especializar em negócios de impacto, social ou ambiental. “A gente vai fazer essa agenda ser fortalecida. Tem vindo uma geração que quer empreender de uma forma distinta dos nossos pais e avós.”

A vontade de fazer a diferença na vida de pequenos produtores rurais levou Débora Rabelo a fundar a Café Abraço, em 2017, para praticar um negócio justo (fair-trade), agroecológico e orgânico. “Já lançamos 13 produtores de agricultura familiar de duas cooperativas de café do sul de Minas. O dinheiro pode ser muito bom quando faz o bem, preservando o ecossistema e garantindo a saúde de nascentes e a perpetuação da fauna e da flora.”

O produtor de café Lázaro Pinheiro, da fazenda Boa Esperança, em Minas, e sua família, fornecedores do Café Abraço. Foto: Ana Luzia Albuquerque

Traz vantagem?

O cliente compra não porque o produto ou o serviço é o mais barato, mas porque se identifica com o negócio. “O propósito é o que cria conexão com o consumidor”, diz Fowler, do Insper. Foi o que fez aumentar as vendas do café da Débora na pandemia para de 500 a 600 pacotes por mês; antes, era metade.

“As pessoas começaram a olhar a saúde procurando produtos cada vez mais limpos, orgânicos. Estão ajudando a transformar o mundo”, acredita a empresária, que criou o site da Abraço no início deste ano.

Para Dani, da B2Mamy, “ter propósito impede que você deixe o canto de sereia entrar”, explicando como isso evita desviar o foco em busca de lucratividade imediata, algo como oferecer “sushi com hambúrguer no mesmo lugar”. “Você só pensa em serviços e soluções para atender àquelas pessoas. Na pandemia, criamos um espaço para as crianças pequenas porque, com as escolas fechadas, como essas mulheres vão cuidar dos filhos e empreender?”

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Essa flexibilidade para lidar com os percalços é uma das vantagens, de acordo com o professor da FGV. “Você se ajusta para poder continuar fazendo seu propósito. Permite ao empreendedor ter soluções inovadoras”, afirma Salusse. E dá a dica: “Se está tendo dificuldade de mudar agora, está na hora de repensar seu propósito”.

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