Produtoras audiovisuais da periferia disputam mercado com o ‘asfalto’

Negócios como Quebrada e Zalika, em São Paulo, usam a identidade das suas comunidades para serem vistas e gerarem renda para profissionais das quebradas

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Por Pablo Santana
Atualização:

Especial para o Estado 

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Na contramão da maioria dos negócios do mercado de audiovisual do País, produtoras do segmento nascem nas periferias e nas favelas de grandes cidades brasileiras com o objetivo de retratar a potência desses espaços sem estereótipos e gerar renda para os profissionais das comunidades. 

Com atuação nas mais diversas áreas do audiovisual, produtoras como as paulistanas Zalika Produções e Quebrada Produções, a carioca A Matilha e a mineira Renca Produções tentam superar as barreiras de gerenciar um empreendimento na periferia para concorrer com produtoras do mercado. Sem perder a identidade da favela.

Foi em meio aos mais de 40 mil habitantes de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, que Renata Alves, de 39 anos, usou suas experiências de “guia” da periferia para fundar a Quebrada Produções. Especializada em pesquisa de locação e casting, Renata traz a expertise de quando era procurada por grandes marcas para fazer campanhas publicitárias na maior favela da capital paulista.

Como empresária, a ex-presidiária só conseguiu se profissionalizar no último ano com a ajuda de um prêmio recebido via incentivo da Lei Rouanet. O investimento de R$ 10 mil foi usado na compra de equipamentos e na reforma do escritório da produtora. Agora, Renata também trabalha para fomentar outros negócios locais e despertar talentos dentro da comunidade. Por isso, uma de suas exigências aos clientes é que a maioria da mão de obra utilizada no serviço seja de Paraisópolis.

Renata Alves, da Quebrada Produções, em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo; cenário é usado para locação de produções audiovisuais Foto: Taba Benedicto/Estadão

“O intuito da Quebrada é mostrar que esse trabalho existe aqui dentro e que as pessoas podem descobrir um novo mundo trabalhando com as nossas produções. Demoramos muito para perceber esse mercado e exigir uma remuneração justa. Porque alguns acham que dentro da favela as pessoas têm de se sentir agradecidas por estarem participando desses trabalhos”, diz Renata.

Retrato da comunidade

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Não muito distante de Paraisópolis, Nina Vieira e Naná Prudencio trabalham juntas desde 2016, quando fundaram a Zalika Produções na periferia de Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo.

Começaram usando o registro como MEI (microempreendedor individual) das fundadoras para a emissão de notas. Até a formalização, Naná relata as dificuldades enfrentadas na gestão de um negócio que envolve atores que nunca fizeram parte do seu cotidiano.

“É mais uma barreira a ser ultrapassada, porque fomos educados para ser funcionários. Ter que lidar com questões burocráticas de uma empresa é um desafio”, conta.

A produtora desenvolve produtos autorais, como o documentário “Quem te Penteia?”, que aborda a temática racial a partir da estética do cabelo. E expandiu seus limites para atuar também com produções comerciais desenvolvendo variados serviços no setor.

“Hoje conseguimos ter cliente da ponte para lá (na região central da cidade), que sabe que está contratando uma produtora da periferia e quer contratar, dar essa oportunidade. Porque o mercado hoje busca esse olhar de representatividade que existe em nós”, afirma Naná. 

Também focando na diversidade do olhar produzida pelos profissionais das periferias, a produtora A Matilha, localizada no bairro de Madureira, subúrbio carioca, iniciou as atividades como um coletivo. Recentemente, passou por um processo de profissionalização com estruturação de marca, site e portfólio.

Com uma equipe de quatro profissionais fixos, a Matilha aposta em parcerias com outros atores do segmento. Um deles é o selo musical e estúdio Duto, responsável por lançar artistas da zona norte do Rio de Janeiro.

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“O mercado nessa área ainda é um nicho muito fechado. Em alguns casos ainda somos desvalidados por sermos da periferia ou por não termos um portfólio muito grande. Então, sempre precisamos driblar a desconfiança para provar que somos capazes”, explica Tick Oliveira, cineasta formado pelo projeto Nós do Morro e um dos fundadores da produtora.

Fora do eixo Rio-São Paulo

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Para a coordenadora da pós-graduação em Gestão de Produção e Negócios Audiovisuais da FAAP, Luciana Rodrigues, muitas das dificuldades enfrentadas pelas produtoras no mercado, principalmente em relação a conteúdo cinematográfico, vêm da ausência de um público consumidor consolidado e da ineficiência de políticas de incentivo.

“Esse modelo vigente de produção audiovisual acaba privilegiando as produtoras maiores e mais experientes. Por isso precisamos de políticas públicas para que essa parte do mercado que é excluída consiga trabalhar e possa ser vista”, afirma.

A pesquisadora também destaca a concentração da produção no eixo Rio-São Paulo como outra barreira para o trabalho de produtoras pelo Brasil, contribuindo para o cenário sem diversidade.

Cenas da equipe da Renca Produções, de Minas Gerais, em ação Foto: Renca Produções

“Além dos vários problemas sociais do setor, ainda é necessário nacionalizar o audiovisual para que ele seja democrático do ponto de vista de negócios. Não existe um fomento na área para quem está começando. Essa inexistência de ações inviabiliza o trabalho, principalmente fora dos grandes centros”, ressalta Luciana.

Com o intuito de furar essa bolha social e levar para as telas narrativas que representem suas realidades, as cineastas mineiras Gabriela Matos, Denise Santos e Natalie Matos fundaram há um ano a Renca Produções. Todo trabalho realizado pela produtora parte da perspectiva da inclusão de profissionais negros e de periferia na frente e atrás das câmeras.

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“Somos a ‘renca’ porque carregamos com a gente vários sonhos, histórias e desejos. Ao assumirmos a postura de uma produtora negra, formada por pessoas da periferia, vimos a necessidade de incluir profissionais desses locais em toda a cadeia de produção”, conta Natalie. “Acreditamos que audiovisual não se faz sozinho. Fazendo isso, estamos fazendo micropolíticas que nos representem.”

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