Pequenas cervejarias movimentam economia local no Rio Grande do Sul

Com modelos de atuação distintos, negócios transformam o espaço do entorno, atraem novos públicos e contribuem para o turismo na região

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Por Ludimila Honorato
8 min de leitura

O Rio Grande do Sul, um dos principais polos cervejeiros do Brasil, concentra nove dos dez municípios com maior densidade de habitantes por cervejarias. O Estado é o segundo com maior número de estabelecimentos registrados (258) no País, ficando atrás de São Paulo (285), segundo o Anuário da Cerveja 2020, divulgado pelo Ministério da Agricultura. Um diferencial da indústria gaúcha é o fomento ao empreendedorismo, produção e distribuição regionais, o que movimenta a economia local.

A inserção e disseminação do produto na região é uma herança trazida por imigrantes alemães ao Sul do País. Na capital gaúcha e arredores, à medida que a comunidade cervejeira se estabelecia, houve necessidade de formalizar a atividade assim como fazê-la crescer, o que contou com o apoio e orientação do Sebrae-RS.

Em 2015, o serviço local de apoio às micro e pequenas empresas iniciou um projeto para desenvolver 36 microcervejarias artesanais. Cursos e oficinas de gestão, marketing e finanças, além de consultorias para trocas de experiências, estimularam os negócios. Hoje, eles caminham com atuações distintas, planos de expansão e um ponto em comum: o amor por servir um bom chope gelado e uma cerveja que aguça os sentidos.

Franquia para crescer

Para conhecer as cervejarias, vale fazer um tour, inclusive para apreciar a mistura de água, malte, lúpulo e levedura, que é garantida em abundância e variedades. Ao aterrissar em Porto Alegre, o bar cervejeiro 4beer recebe clientes num amplo galpão que concentra a fábrica nos fundos. São mais de 40 torneiras de cervejas claras, escuras, suaves, intensas, com ou sem frutas.

Rafael Diefenthaler, um dos sócios da cervejaria 4beer que está em processo de expansão por meio de franquias. Foto: Marcos Nagelstein

O bar foi fundado em 2016 num local onde funcionava uma metalúrgica hospitalar. Desde então, o estabelecimento tem transformado a região. “O pavilhão estava totalmente degradado numa região que era ponto de prostituição”, conta Rafael Diefenthaler, um dos sócios da cervejaria que foi a primeira a se instalar no bairro São Geraldo. O novo comércio atraiu os moradores dos edifícios próximos e criou um fluxo positivo para o ambiente.

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“A primeira coisa que ocorreu foi que a prostituição começou a sair daqui. As pessoas podiam sair do prédio em segurança, porque tinha uma movimentação aqui. Foi muito bem aceito na região”, completa ele.

A 4beer começou como a maioria das cervejarias: experimentos em panelas convencionais, depois uma produção pequena (3 mil litros por mês) e venda de barris a bares e restaurantes. Agora, o negócio está em processo de expansão por meio de franquias, formato viabilizado também com o apoio do Sebrae-RS.

Cervejaria 4beer tem mais de 40 tipos de cervejas disponíveis. Foto: Marcos Nagelstein

“A gente vinha crescendo e aumentando o faturamento, mas Porto Alegre tem muitas cervejarias. É bom por um lado porque cria um ambiente favorável, mas aumenta a competição”, diz Diefenthaler. Segundo ele, foi por isso que a empresa teve a ideia de expansão. Para replicar o ambiente de interação entre dono e clientes, a melhor opção era a franquia.

São três modelos adotados pela empresa: um bar e restaurante, que varia de R$ 380 mil a R$ 600 mil, em que o franqueado compra a cerveja da fábrica matriz e recebe suporte com a cozinha; o formato brewpub, em que há uma pequena fábrica de cerveja para venda no próprio local; e a opção de investir numa fábrica para atender bares, restaurantes, outros franqueados da 4beer e o bar da fábrica.

Atualmente, são cinco franquias no primeiro modelo e a empresa busca novos franqueados, que têm um retorno de investimento entre 18 e 24 meses. Outra aposta foi, em 2020, agregar uma destilaria para a produção de gin e drinks prontos, como gin tônica, moscow mule e negroni. A produção ainda é pequena, de até 50 litros, mas figura como a primeira destilaria do Estado.

Expansão por licenciamento

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Subindo no mapa até a cidade de Igrejinha, a Stier cresceu e virou referência na região. A influência da empresa na economia local é tal que a cervejaria foi objeto de estudo em uma dissertação que analisou a relação do negócio com o desenvolvimento socioeconômico da cidade, cuja rodovia RS-115 atravessa quase toda a extensão do município, dando-lhe potencial turístico.

A pesquisa destaca que a cervejaria contribuiu para a geração de emprego, renda e consequentemente redistribuição de renda no território, o que possibilitou “a melhora na qualidade de vida dos indivíduos”. É essa relação com a cidade e com os consumidores que fez o negócio evoluir e buscar oportunidades de crescimento, já tendo no portfólio chope em garrafas pet, cervejas em embalagem de vidro e lata.

Cervejaria Stier aposta no energético da marca licenciadaEcko para alcançar novos públicos e mercados. Foto: Marcos Nagelstein

Desde o ano passado, a aposta é no energético licenciado da marca internacional Ecko Unltd, que no Brasil já tem fama com roupas, calçados, óculos e relógios. “Meu marido tem empresa de solas de sapato e tem essa aproximação com marcas internacionais. Quando veio a Ecko, licenciamos no Brasil todo”, conta Silmara Andreatti, sócia e administradora da Stier. A bebida de grife tornou-se o chamariz para alcançar novos públicos e mercados.

“De modo geral, a Ecko está muito ligada com tribos urbanas, e no Brasil se desenvolve muito próximo do movimento artístico do funk na região Sudeste de maneira geral. Para essa galera, consumir Ecko de qualquer maneira é um status, é ostentação”, completa o sommelier Juliano Ugowski, mestre em estilos de cerveja e coordenador de marketing da Stier.

Em maio, a empresa apresentou o novo produto na feira de alimentos e bebidas Apas Show, em São Paulo, e atraiu olhares e contratos. “Saímos da feira e, na semana seguinte, já estava mandando pallets de Ecko para São Paulo”, diz Silmara, que fechou contrato com representações e distribuidores no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e Espírito Santo. A estratégia é que a nova bebida abra caminho para os consumidores conhecerem a Stier fora do Estado natal.

Silmara Andreatti, sócia e administradora da Stier, conta que a pandemia trouxe desafios, mas muitas oportunidades para o negócio. Foto: Marcos Nagelstein

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Apelo turístico

Uma das cidades mais germânicas do Rio Grande do Sul, Nova Petrópolis é o berço da cervejaria Edelbrau, dos sócios Fernando Maldaner e Samuel Zang. Depois de passarem um ano na Irlanda, eles tiveram a ideia do negócio, que começou em 2011 com a fábrica e depois um restaurante, o Edelhaus. Há ainda uma loja que vende cervejas, copos, canecas, abridores de garrafas, mochilas e bonés.

Como o município é caminho para destinos badalados do Estado – Gramado e Canela –, os empresários apostaram num tour interativo para atrair turistas. A Experiência Edelbrau guia o visitante pela história da empresa, explica como a bebida é produzida e estimula o sensorial com aromas e sabores que podem ser encontrados na cerveja.

O ingresso de R$ 55 para adultos (R$ 20 até 18 anos) contempla o acesso ao ambiente, um copo de vidro de 300ml, degustação de cinco estilos de cerveja e R$ 10 em compras na loja. Quem não bebe, pode gastar mais com produtos variados. “Nós recebemos em torno de 4 mil pessoas por mês. A região é turística e as pessoas têm interesse em conhecer sobre a cerveja e a cultura local”, diz Maldaner.

Cervejaria Edelbrau reforça o apelo turístico de Nova Petrópolis com um tour pelo mundo da cerveja. Foto: Marcos Nagelstein

Além de movimentar o turismo na região, a Edelbrau deu visibilidade a pequenos produtores locais ao desenvolver receitas especiais. Uma witbier (cerveja branca) feita com cascas de laranja e bergamota do pomar da avó de Maldaner entrou para a linha fixa da cervejaria. Também produziram uma feita com mel de um produtor rural e outra que recebeu lúpulo plantado na cidade há 70 anos – essas, fora da linha.

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“Conseguimos chegar no vizinho de uma pessoa que plantava lúpulo aqui na década de 1950, que ainda tinha mudas daquela época. Pegamos as mudas, plantamos e, em 2019, fizemos uma cerveja”, conta o empreendedor. “São cervejas que não dão retorno financeiro porque a tiragem é muito baixa, mas traz uma valorização de quem está na cidade, porque nosso interior é muito rico e a gente consegue, de alguma forma, trazer para o nosso produto.”

Samuel Zang (esq.) eFernando Maldaner, sócios-fundadores da cervejaria Edelbrau, investiram também em um restaurante como atrativo. Foto: Marcos Nagelstein

Pela carga tributária, Maldaner diz que não compensa vender as cervejas para revendedores de outros Estados, então o foco regional é mais importante. “A gente tem buscado mais a estratégia de fortalecer o local com bar, visitação, ter boa presença num raio de cem quilômetros.” Hoje, são cerca de cem pontos de venda na região.

O especialista em alimentos e bebidas do Sebrae-RS, Roger Klafke, acompanhou a evolução desse polo cervejeiro desde o início e concorda que essa diversidade de negócios é um trunfo para o mercado.

Segundo ele, com o aumento da procura e o maior entendimento do consumidor em relação à cerveja artesanal como produto, as indústrias foram se adaptando e vendo oportunidades para turismo, franquias e bares. “Abriu-se um leque de oportunidades gigante”, comenta ele. “O vinho foi a bebida da pandemia e a cerveja ficou em segundo plano, mas as cervejas especiais têm muito espaço ainda. O artesanal está nas tendências de consumo para tudo.”

A repórter viajou a convite do Sebrae

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