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Os babacas e as startups que eles arruínam

Queda livre da Uber mostra que ambiente de trabalho tóxico e desempenho financeiro ruim andam de mãos dadas

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Por Redação
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O setor de tecnologia tem um problema com a chamada “bro-culture (uma espécie de 'clube do Bolinha'). As pessoas vêm se queixando a respeito há anos. Mas ninguém tem feito nada para resolver a questão.

Travis Kalanick prometeu crescer após denúncias de assédio na Ubere vídeo em que ele aparece distratando um motorista do aplicativo Foto: REUTERS/Danish Siddiqui

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Mas isto finalmente pode mudar, se os responsáveis pelo Vale do Silício - os investidores de risco que controlam o dinheiro - começarem a entender que o problema no caso dos “membros do clube” é que eles não são apenas babacas grosseiros, mas não sabem administrar uma empresa.

Veja o caso da Uber, aplicativo de carona compartilhada. É o maior unicórnio de tecnologia no mundo, avaliado em US$ 69 bilhões. Não faz muito tempo, a Uber parecia invencível. Agora está em queda livre e os executivos sumiram. As dificuldades da companhia se devem inteiramente a esse ambiente de “clube do Bolinha” tóxico, criado pelo seu diretor Travis Kalanick.

E o que é isto? Basicamente é um ambiente que beneficia os jovens em detrimento de todos os demais. Há um CEO que é do clube, normalmente um jovem com pouca experiência de trabalho, mas de boa aparência, petulante e ligeiramente amoral - um vigarista. Em vez de ser obrigado pelos investidores a se cercar de executivos experientes, ele tem toda a liberdade para decidir o que e como quiser.

Esse CEO faz tudo o que você espera de um jovem imaturo com muito dinheiro em suas mãos e que se cerca de pessoas que o adulam. Ele estabelece um estilo de empresa baseado em gastos irresponsáveis, com excesso de festas, e a conduta antissocial não só é tolerada, mas até incentivada. Uma empresa em que frequentar bares de garotas de programa com os colegas, como foi o caso de Kalanick na Coreia do Sul em 2014, é sempre uma boa ideia. (A visita resultou, compreensivelmente, em uma queixa ao departamento de pessoal).

As empresas dirigidas por esses criadores de “clubes do Bolinha” se tornam uma espécie de fraternidade onde os funcionários são escolhidos como iniciados, com base na “adaptação à cultura” da companhia. Mulheres são contratadas, mas raramente são promovidas e às vezes há queixas de assédio. Minorias e empregados mais velhos são excluídos.

Esse tipo de empresa valoriza o crescimento rápido em detrimento do lucro sustentável e estimula o uso de atalhos para acelerar o trabalho, ignorando as regras e fazendo qualquer coisa para vencer.

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Às vezes funciona. Mas com frequência o negócio explode em chamas. O “clube do Bolinha” queima o dinheiro e acaba descobrindo que não têm mais uma empresa viável. Foi o caso da Quirky, fundada em 2009 por Ben Kaufman, um jovem em torno dos 20 anos. Ele levantou US$ 185 milhões para criar uma “plataforma de desenvolvimento de produto social”, que vendia gadgets excêntricos, mas depois teve de entrar com um pedido de recuperação judicial porque o intrépido e nada ortodoxo diretor executivo não tinha nenhuma experiência para dirigir uma empresa. 

A ruína da Uber começou em fevereiro quando Susan Fowler, ex-engenheira da companhia, denunciou casos de assédio sexual e discriminação no local de trabalho. Outras funcionárias também relataram algumas histórias. Por exemplo, um diretor costumava apalpar os seios de funcionárias. O próprio Kalanick entrou na história quando um vídeo foi divulgado mostrando-o repreendendo um motorista da Uber que se queixava dos cortes de preços do aplicativo que o tinham levado à falência. Kalanick disse ao motorista que ele fosse cuidar da sua vida.

Por outro lado, a unidade de carros autônomos do Google processou a Uber, alegando que a empresa tinha roubado suas ideias. E mais tarde vazaram histórias de que a Uber estava usando um software oculto para enganar a fiscalização em outras cidades do mundo. O que faz parte desse tipo de cultura, do mesmo modo que o modo de tratar as mulheres. O problema é persistir nisto e não sofrer nenhuma punição.

Esperando endireitar as coisas, Uber nomeou um dos membros da diretoria, Arianna Huffington, para se unir com o ex-secretário de Justiça Eric Holder e outras pessoas para investigar as alegações de assédio sexual. Kalanick pediu desculpas e prometeu “crescer” (ele tem 40 anos). E mais importante, Uber anunciou que vai contratar um diretor de operações, teoricamente uma mão firme como a de Sheryil Sandberg, que ocupou a mesma função no Facebook. Uma ótima ideia, mas isto já devia ter ocorrido há anos. Agora pode ser tarde demais.

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O colapso da Uber não é uma surpresa, mas fornece uma lição: ambiente de trabalho tóxico e desempenho financeiro ruim andam de mãos dadas. É possível um babaca mal-educado administrar uma empresa bem sucedida, mas eles têm um desempenho melhor quando se cercam não de tipos iguais a ele, mas de executivos experientes para ajudá-los. Sem uma “supervisão adulta” e limites institucionais, os membros do “clube do Bolinha” acabam contaminando o ambiente de trabalho que controlam.

Esse clima ruim será sanado quando os investidores começarem a se sentir prejudicados. Uma grande crise financeira na Uber, a startup de tecnologia mais conhecida no mundo, pode ser o choque que finalmente trará o setor de novo à razão. Tradução de Terezinha Martino

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