'No início, ninguém vai atrás de você', diz fundadora da Sodiê Doces

Cleusa da Silva começou o negócio em 20 metros quadrados sem saber o que era franquia; hoje, a empresária tem mais de 200 lojas

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Por Gisele Tamamar
Atualização:

Quando a empresária Cleusa Maria da Silva afirma que não houve nenhum privilégio na sua história a não ser trabalho, não é da boca para fora. A história de vida e de empreendedorismo de Cleusa é recheada de superação. Com nove anos, ela já cortava cana e nunca teve uma boneca para brincar.

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Foi empregada doméstica e começou a fazer bolos quando atendeu um pedido de uma ex-chefe, sem nunca ter preparado algo parecido na vida. Mas entre o primeiro bolo até o sucesso hoje com mais de 200 lojas, o caminho foi árduo. "Quando você começa ninguém vai atrás de você", diz.

Exemplo disso é que só depois de dez anos e com mais de 70 lojas abertas que a Sodiê chamou a atenção da Nestlé. Foi durante a feira de franquias que uma consultora passou na frente do estande da marca e entregou um cartão para Cleusa. "Eu estava muito brava com a Nestlé porque há dez anos eu comprava deles, me mantive fiel e eles me ignoravam. Por que eu tinha que dar confiança para ela?", lembra.

A reclamação chegou até o alto escalão e em menos de uma semana a empresária foi chamada para uma reunião. "Eles pediram desculpas por tudo o que tinha acontecido antes. Lógico que eles viram o mercado. Não foi por mim, Cleusa. Eles viram a escala. Dessa reunião saiu uma parceria. Hoje eu conheço todos. Até os (diretores) da Suíça vieram visitar as nossas lojas."

Parceria essa que vai viabilizar a expansão internacional da marca nos Estados Unidos. Os pedidos constantes para a abertura de lojas fora do Brasil será atendido em 2016, depois de alguns adiamentos decididos por Cleusa. Isso porque abrir uma loja no exterior com produtos locais não é interesse da empresária. "Vamos encher um contêiner de creme de leite e leite condensado brasileiríssimos e mandar para lá. Vamos fazer o nosso produto lá, não adaptar", diz Cleusa durante o Encontro PME com pequenos empresários e interessados no tema. Confira os principais trechos.

Início Separada, com filho pequeno e uma mãe que continuava trabalhando de boia-fria, Cleusa tinha o sonho de ter uma loja de bolos para ter uma vida melhor. Manteve jornada dupla de trabalho durante dois anos: de dia fazia bobinas de alto-falante e de noite montava bolos até de madrugada. "A coragem veio da necessidade. Se você quer saber o quanto você é forte, é na necessidade que descobrimos que somos gigantes", afirma.

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A primeira loja, de 20 metros quadrados, foi aberta em 1997 com o dinheiro de uma rescisão de dois anos de trabalho e mais uma ajuda do irmão, o que hoje representaria cerca de R$ 5 mil. "No dia da inauguração, eu precisava comprar refrigerante, mas não tinha dinheiro. Pedi para meu amigo comprar meia caixa de refrigerante de garrafa pelo menos para as primeiras pessoas", lembra.

As dificuldades não pararam por aí. Ela assava o bolo em casa e levava até a loja a pé mesmo para enfrentar uma rotina que muitas vezes começava às sete da manhã e se estendia até as oito da noite. Mesmo a dedicação da empresária não garantia as vendas. "No fim do mês, eu não tinha  dinheiro para pagar a conta de luz. Atrasava a o pagamento da minha casa, mas pagava a da loja. "É preciso saber que a dificuldade faz parte de qualquer processo quando não tem capital para iniciar", conta.

Persistência Cleusa se diz uma pessoa que não acredita muito em sorte. "Acho que a sorte está lá no final da história. Pelo menos no meu caso, poucas coisas na vida eu vi como sorte e mais como persistência", diz. Prova disso é que a empresária trabalhou durante cinco anos sem folgar um único domingo. "Lembro que eu tinha um sapatinho que furou. Eu não tinha condições nem de trocar um sapato, nem de comprar roupa."

Depois de dois anos de trabalho, ela conseguiu comprar um carro parcelado em 36 vezes. Era lá que dormia quando estava muito cansada, mas sem fechar a loja. "Se chegava alguém, eu acordava para fazer bolo. Eu nunca fui embora para casa pensando que não tinha cliente para chegar."

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Foco O medo não faz parte dos sentimentos da empresária, talvez pela sua própria história de vida. Cortava cana quando criança e perdeu o pai quando tinha 12 anos. "Nunca tive uma boneca para brincar. Talvez por isso que o medo não entrou na minha vida. Uma coisa foi levando a outra e me fez uma pessoa que enfrenta desafios. Não que eu não tenha preocupações."

Franquia A expansão do negócio começou dez anos depois da inauguração motivada por um amigo e cliente que passava na loja, em Salto, para comprar bolo e levar para São Paulo para a esposa e a filha. Até que um dia ele questionou: por que você não monta uma loja em São Paulo? "Eu  não conhecia o que era franquia e ainda estava em uma loja de 20 metros quadrados montando bolo em cima de um freezer."

Questionada no sábado, na segunda-feira Cleusa entrou em um ônibus e foi até São Paulo para entender sobre o assunto na sede da Associação Brasileira de Franchising (ABF). "Minha amiga advogada ajudou com a parte jurídica e o Roberto da Vila Guilherme foi o primeiro franqueado. Em menos de dois anos, eu tinha 50 lojas em São Paulo", afirma Cleusa.

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Padrão O grande desafio de Cleusa é a conscientização dos franqueados para manter a qualidade e padronização das lojas. "O desafio é conscientizar as pessoas que só com qualidade, sem troca de produto, sem a mania que às vezes a gente tem de ganhar um pouco a mais trocando um produto é que vamos conseguir. Com crise ou sem crise, ninguém vai trocar o leite condensado."

Para Cleusa, a cobrança deve ser constante. O trabalho é feito por uma equipe de consultores que visita as lojas periodicamente, sem avisar. Quando Cleusa encontra alguma irregularidade, ela procura evitar o conflito direto com o franqueado, deixando o trabalho de cobrança para o consultor. "O segredo do sucesso da franquia é o relacionamento. Eu moro na Castelo Branco. Fico pouco tempo na minha casa. Trabalho mais hoje do que quando trabalhava 20 horas por dia."

Mudança O negócio foi batizado inicialmente de Sensações Doces, mas o registro de marca era sempre barrado por uma multinacional. Fato que Cleusa nunca deu muita importância. "O que uma multinacional queria comigo aqui? Até que um dia as coisas complicaram. Descobri que a multinacional era a Nestlé e que os pedidos eram indeferidos por causa do chocolate Sensação. Como eu ia brigar com uma gigante? Fiquei quatro meses sem dormir", conta.

O problema ficou em segredo até a amiga e advogada achar uma solução, escrita em uma pedaço de guardanapo: Sodiê. "É o nome dos meus dois filhos: Sofia e Diego. Sai de lá chorando. No mesmo dia o nome foi aprovado", conta Cleusa, que se emociona quando lembra da história.

Com a solução veio os gastos: R$ 1 milhão para a troca de marca, bancados pela empresa. "Passei quase dois anos virando no vermelho. Assumi todo o risco e o material para trocar. Fomos para a feira de franquias dois meses depois e descobrimos que nosso produto era mais forte que eu imaginava."

Cliente Cleusa lembra com carinho de um cliente da loja de Salto que comprava R$ 5 de bolo toda semana. "Via aquele homem abrir a carteira e tirar a nota com tanta dificuldade. Ele fazia muito esforço para levar aquele bolo para casa. Aquilo me marcou muito e pensava que no dia que eu crescesse jamais tiraria aquela classe de dentro da minha loja. Infelizmente, hoje não posso dizer que todas as pessoas podem comprar um bolo, mas todos têm o direito de consumir um bom produto. Hoje a gente atende do presidente a faxineira."

Outdoor Cleusa fechava os olhos e sempre imaginou sua marca em um outdoor na estrada. "Lembro que chorei quando parei na frente de um outdoor pela primeira vez. São coisas simples, entre aspas. Hoje temos mais de 40, mas é um exemplo de persistência e acreditar do que está fazendo."

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Novidades Até para manter o controle e padronização das lojas, Cleusa procura ficar longe dos bolos da moda. "Imagina se eu deixar cada franqueado criar um bolo? Lançamos no máximo dois bolos por ano. Porque tudo que a gente coloca não conseguimos mais tirar porque o cliente começa a pedir. Procuramos ser mais tradicional com a melhor qualidade do que ficar com uma modinha. Isso causa custo e são muitas lojas."

Mas um dos bolos mais vendidos, o de leite Ninho, entrou na rede após uma escapada da cunhada em uma das lojas. Um dia Cleusa entrou na loja e viu um monte de latas do produtos. Ficou irritada e foi embora. Dois meses depois, uma grávida foi até a loja de Salto em busca do tal bolo que tinha comido na loja de Americana. "Lembrei das latas e falei para pegarem a receita e fazer o bolo para ela. Hoje é um dos mais vendidos."

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