Negócios de nicho atuam no vácuo de grandes empresas

Negros, gordos e idosos são exemplos de público numeroso, mas ‘invisível’, que estimula ação de pequenos empreendedores

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Por Letícia Ginak
Atualização:

Andar pelos corredores de uma rede de fast fashion ou uma gigante do segmento esportivo e sair de mãos abanando. Vasculhar e-commerces e permanecer com o carrinho vazio. Parece o retrato de um consumidor exigente demais ou que procura um produto raro, mas diz respeito ao cotidiano de mais gente do que se imagina.

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Como negros que buscam lingerie e outras peças em tom nude – da sua cor de pele. Ou obesos que precisam de roupas (como as de academia) com numeração acima de 60. É nesse vácuo deixado por grandes empresas que têm atuado novos empreendedores, muitas vezes a partir de suas próprias frustrações como consumidores.

“Os pequenos negócios entram melhor nesse atendimento de demanda de nicho porque conseguem focar energia no tipo de público escolhido. A grande empresa tem dificuldade em olhar para o nicho e traduzi-lo em oferta. Ela vai olhar para o que vende mais”, analisa o consultor do Sebrae-SP Bruno Zamith. 

Amanda Momente, fundadora da marca de moda fitness plus size Wonder Size, que atende do tamanho 44 ao 66. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Apesar de serem considerados negócios de nicho, engana-se quem pensa que esses mercados são pequenos. No Brasil, de acordo com o IBGE, 8,2% da população (16,8 milhões de pessoas) se autodeclaram preta e 46,7% (95,9 milhões), parda. No caso do mercado plus size, 54% da população está acima do peso, segundo o Ministério da Saúde. “Há mercados gigantescos para serem explorados”, diz Zamith.

Para a professora da pós-graduação em negócios de moda do Centro Universitário Senac Jo Souza, há outros dois segmentos em potencial no País: a moda evangélica e a moda para idosos. O IBGE estima que 22,2% da população é evangélica e, de acordo com o Ministério da Saúde, em 2030 o Brasil terá mais idosos do que crianças de 0 a 14 anos.

“Esse consumidor, quando atendido, faz quase um contrato fiduciário com a empresa. Por isso, com pouco investimento, criatividade e observando o mercado de uma forma sensível, o pequeno se aproxima do cliente e cria vínculo”, completa Jo.

Os exemplos citados são apenas alguns tipos de mercados óbvios, porém pouco explorados. Para os especialistas, há também a possibilidade de focar ainda mais, como em marcas com pilar no slow fashion, baseado na produção de peças com tecidos sustentáveis e mão de obra responsável – muitas pequenas marcas passaram a colocar o nome de suas costureiras nas etiquetas das peças. O mercado vegano, com produtos sem a utilização de couro ou testes em animais (cosméticos), também tem potencial, assim como roupas genderless (sem gênero), para crianças e adultos.

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Para quem pretende começar um negócio num desses nichos, o consultor do Sebrae alerta para uma pesquisa qualitativa. “É preciso fazer uma pesquisa de mercado com esse cliente para saber como ele consome. Ele tem um caminho de tomada de decisão e o empreendedor precisa saber esse caminho”, diz Zamith, segundo quem é importante entender se o tipo de cliente é mais adepto de lojas físicas ou e-commerce, além de pesquisar modelagens, tecidos, fornecedores e a melhor estratégia de marketing. 

“Essa cadeia de produção é muito rápida. Se o pequeno quiser, ele tem uma minicoleção pronta em dias, pois é possível terceirizar tudo. Mas ela estará de acordo com o seu cliente?”, provoca ele.

Da Minha Cor 

A partir de uma lista de 40 itens de possíveis produtos indisponíveis ou com preços muito elevados no País, o empreendedor Maurício Delfino escolheu apenas um para empreender: toucas de natação para cabelo afro.

Jéssika de Almeida veste a touca de natação para cabelos afro da Da Minha Cor, marca criada por Maurício Delfino. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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Para fazer aulas ou participar de competições é imprescindível o uso do item, uma medida de segurança para que os cabelos não sejam puxados pelo sistema de sucção das piscinas. Porém, as toucas disponíveis no mercado são confeccionadas em um único modelo, com distinção apenas para crianças e adultos. Delfino – negro que possui experiência de mais de 20 anos no mercado corporativo – percebeu que, com isso, muitas pessoas estavam praticamente eliminadas das piscinas.

“No Brasil, além de não ver ninguém vendendo essa touca, também não tinha ninguém que produzisse. E, quando se quer produzir qualquer coisa em escala a preço competitivo, é preciso olhar para a China.” O caminho foi encontrar empresas na China que fabricassem os modelos. Pediu 10 amostras e recebeu produtos incompatíveis com o que queria vender. Pediu alterações e a nova leva foi para testes. “Coloquei pessoas para nadar com a touca e criticar o produto.” Com um lote de 5 mil toucas, a DaMinhaCor entrou no mercado em janeiro de 2018.

Desde a abertura, Delfino conta que já vendeu para todos os Estados por meio da sua loja virtual. Além disso, está em marketplaces como Submarino, Shoptime, Americanas, Centauro, Netshoes e Amazon. Em lojas físicas, são 25 revendedoras e três fora do Brasil, em Maputo (Moçambique), Saint Denis (França) e Weston (EUA). O faturamento de 2018 foi de R$ 1 milhão, e a meta para este ano é atingir 50 revendedores no País.

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Mauricio Delfino, criador da Da Minha Cor, que vende toucas de natação para cabelos afro. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Além disso, a marca planeja expandir a oferta de produtos. Para abril está previsto o lançamento da linha de maiôs e sungas, produzidos no Brasil. “Se você me perguntar o que tem de diferente neles, te respondo que quase nada. Mas, como as pessoas começaram a ter uma relação afetiva com a nossa marca, acredito que comprarão os novos itens.”

Em maio, é a vez da linha de maquiagem para peles negras, com seis tons de pó compacto e cinco de bases líquidas. 

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Wonder Size

Amanda Momente sempre praticou exercícios físicos. Mas, após a maternidade, passou a pesar 140 kg e não encontrava roupas para ir à academia. Seu maior desejo era poder pular corda com uma calça que não enrolasse todo o cós durante a prática. Decidiu então produzir a sua própria peça com uma costureira e provocou alvoroço nos corredores da Pop Plus, feira de moda plus size que acontece em São Paulo. Todas queriam saber qual era a marca da calça que ela usava.

Assim surgiu a Wonder Size, negócio de moda fitness plus size com numeração que vai de 44 a 66. A estreia foi em grande estilo: no São Paulo Fashion Week Plus Size, em agosto de 2017. O investimento inicial foi de R$ 3 mil e Amanda contou com a amiga Marioli Oliveira como sócia na empreitada.

As sócias fundadoras da Wonder Size, Marioli Oliveira e Amanda Momente. Foto: Gabriela Biló/Estadão

“As pessoas exigem que o gordo emagreça. Mas ele não tem roupa para isso”, diz Marioli. O que começou com uma calça “pretinha básica” chamada Joana D’Arc (“te acompanha em todas as batalhas do dia a dia”, conta o marketing da peça), expandiu para tops e outros modelos de calças cheios de estilo e cores vivas, além de meias-calças e coleção de calcinhas. A Wonder Size vende em um showroom na capital paulista, no próprio e-commerce e ainda participa de feiras do segmento.

“Tentamos implementar o omnichannel, para que nossas clientes tenham a melhor experiência de compra em todos os pontos de contato. Esse é um público que é hostilizado muitas vezes. No nosso showroom também recebemos as clientes para que elas possam provar as peças”, conta Marioli.

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Sobre o mercado plus size, Marioli é categórica. “Muitas marcas ainda fecham os olhos porque elas não querem se ver representadas pelo corpo gordo. Outras marcas começaram a aumentar as suas grades, como a Nike, que agora vai até o 52. Mas essa numeração representa o meu M, por exemplo”, compara ela.

Uma linha esportiva, com a criação de luvas e outros acessórios, além das linhas natação, corrida e masculina, estão sendo confeccionadas e serão lançadas ainda neste ano. Desde a abertura, a empresa já faturou mais de R$ 560 mil e produz 4 mil peças por trimestre.

Pangea 

O que começou como um trabalho de conclusão de curso universitário se tornou negócio. Nilo Barreto e Yágda Hissa, então estudantes de design de moda na Universidade Federal do Ceará, tiveram a ideia de criar a Pangea, marca genderless (sem gênero), em fevereiro de 2015.

O aumento do questionamento na sociedade sobre a liberdade de gênero ativou um alerta nos estudantes, que observaram que o mercado não acompanhava essa tendência. A virada de TCC para negócio coincidiu com o surgimento de uma incubadora para pequenas empresas calcadas na economia criativa, criada pela Prefeitura de Fortaleza naquele mesmo ano.

“Na incubadora, tínhamos mês a mês módulos básicos sobre como administrar negócios, vendas, marketing e contabilidade, além do acompanhamento de supervisores que nos orientaram como a marca deveria ser”, conta Barreto.

Com peças como os conjuntos de camisas floridas ou em listras coloridas e shorts de elástico – para mulheres e homens, a receptividade do público foi “meio a meio”, de acordo com o empreendedor. “Fizemos uma pesquisa de mercado que apontava a existência de consumidores que esperavam por uma marca que se posicionasse dessa maneira, mas também tinha gente que não entendia o conceito”, conta.

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Modelos vestem a nova coleção da Pangea, marca de roupas unissex criada em Fortaleza (CE) em 2015. Foto: Talita Reis

Desde setembro de 2015, data oficial de criação da Pangea, já foram lançadas oito coleções. Além do e-commerce, a marca está em duas lojas físicas colaborativas, uma em Fortaleza e outra em Belo Horizonte (MG) – essa, desde 2018. Pelo site, Barreto conta que o público masculino compra mais. Já na loja de Belo Horizonte, o público feminino predomina. 

“Crescemos bastante, mais do que imaginávamos. Sabemos que o mercado é muito cruel com moda autoral”, diz ele, que não divulga dados de faturamento.

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