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Mulheres negras lideram negócios de impacto e fazem economia girar nas periferias

Levantamento feito pela Artemisia mostra que maioria dos negócios de periferias é liderado por mulheres pretas e pardas; dentro das comunidades, elas têm papel de transformação

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Por Marcos Leandro
Atualização:

Para entender o perfil dos empreendedores que buscam ajuda em programas de aceleração, a Artemisia, organização que fomenta negócios de impacto social, mapeou 373 negócios periféricos das regiões Sul e Sudeste. Os dados coletados mostram que 62,1% dessas empresas são lideradas por mulheres e, entre essas empreendedoras, a maioria é preta e parda: 59,4% e 20,3%, respectivamente.. Esse resultado reafirma o papel fundamental que essas mulheres têm dentro de suas comunidades. 

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“A mulher preta na periferia tem uma posição de impacto muito relevante, porque é ela quem traz alimento para casa e cuida dos filhos, muitas das vezes fazendo papel de pai e mãe, é ela quem luta por direito à creche, educação e saúde, é ela quem cuida da saúde da família. A mulher tem uma característica de maternidade, de cuidado e que está conectada com a sua ancestralidade”, conta Marcelo Rocha, conhecido como DJ Bola e um dos idealizadores da Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia (Anip), que faz parceria com a Artemisia. 

No mercado de trabalho formal, segundo pesquisa feita recentemente pela consultoria Indique Uma Preta e pela empresa Box 1824, quando se fala em cargos de liderança, apenas 8% das mulheres negras chegam a ocupar cargos de gerente, diretora ou sócia de empresas. Além disso, um levantamento feito pelo Insper mostra que homens brancos têm salários duas vezes maiores do que mulheres negras, mesmo exercendo a mesma função. 

A empreendedoraAna Lúcia Santos, que criou o Visão do Bem, negócio de impacto socialque vende óculos de grau dentro de comunidades. Foto: Wilton Junior/Estadão

Dentro desse cenário de extrema desigualdade, muitas dessas mulheres acabam encontrando no empreendedorismo a sobrevivência, incluindo aí o grupo de mulheres que entendem que o negócio próprio pode transformar a vida das pessoas que moram na periferia dos grandes centros. Segundo Maure Pessanha, diretora-executiva da Artemisia, o grande diferencial dessas mulheres é o vínculo pessoal com a causa. Um exemplo é Ana Lúcia, que criou o Visão do Bem, empresa que vende óculos de grau dentro de comunidades.

A ideia de criar um negócio voltado para a visão nasceu de uma experiência familiar: o marido tem miopia e a filha foi diagnosticada com glaucoma. Além disso, ela conta que as consultas demoradas e os altos valores de exames e dos óculos dificultam o acesso de algumas pessoas à saúde dos olhos. Dessa forma, ela juntou a vontade de ajudar com a oportunidade de empreender e criou o Visão do Bem. Era 2017. "Hoje, temos uma rede de parceiros com clínicas médicas que atendem as pessoas que nós encaminhamos e com um preço mais acessível.”

O negócio funciona como revenda. Atualmente, são oito mulheres que moram em periferias e que fazem as vendas de óculos em suas comunidades - e outras três estão sendo treinadas para começar em breve. Elas ficam com um mostruário para que o cliente possa escolher a armação dos óculos que será feita por empresas parceiras, seguindo a indicação da receita médica. “Desde que começamos, já conseguimos impactar a vida de milhares de pessoas. Já foram mais de 3,5 mil óculos vendidos”, conta. A iniciativa começou no Rio de Janeiro, mas já está chegando em outras cidades, como Niterói.

Além de promover o acesso à saúde, Ana se orgulha de ajudar outras mulheres. As revendedoras - ou agentes da visão, como são chamadas - são mães chefes de família, com mais de 40 anos e, em muitos casos, com baixa escolaridade e sem acesso a empregos formais dignos. “Elas que decidem em qual horário vão empreender e conseguem ter um ganho bacana, que ajuda a mudar a vida delas. Hoje, tenho exemplos de transformação, como uma das agentes que conseguiu pagar a faculdade da filha com o dinheiro das vendas”, relata.

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Recursos verdadeiramente humanos

A busca por emprego é uma tarefa complicada para quem mora longe dos grandes centros. Uma ida à entrevista de emprego, por exemplo, exigindo dinheiro da passagem, em alguns casos, é necessário mais de uma condução, sem contar o tempo de locomoção que pode chegar a horas. No final, muitos processos seletivos nem dão retorno e deixam a experiência ainda mais difícil. Essa realidade causava certo desconforto para a educadora social Katiana Normandia, que buscou solucionar o problema. 

“Eu estava incomodada por não ter uma consultoria de RH que trabalhasse com gestão de pessoas dentro da periferia e para profissionais das periferias”, conta. Foi assim que, em 2019, surgiu a Kinah Gestão de Pessoas, consultoria de recrutamento e seleção que também presta auxílio vocacional aos moradores de comunidades em busca de recolocação..

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O foco de atuação está nas comunidades do Grajaú e Jardim Angela, na Zona Sul de São Paulo. Com a pandemia, algumas ações estão sendo estendidas a pessoas de outras localidades. Essa ajuda vai desde revisão de currículo até palestras e encaminhamento de vagas. “Depois das formações, eu fico com os perfis dessas pessoas e mantenho contato para acompanhar e divulgar oportunidades, então tem uma continuação do trabalho”. Para os profissionais de periferia, todos os serviços são gratuitos. 

Especializada em gestão de pessoas, Katiana é remunerada pelas atividades que são realizadas para as empresas, como palestras e consultoria de recrutamento e seleção. Quando ela é responsável por realizar o processo seletivo, existe uma preocupação em torná-lo o mais humanizado possível. “O impacto social desse trabalho é muito grande, pois a pessoa consegue descobrir a sua potência enquanto profissional. Além disso, realizamos seleções de forma mais leve e harmônica, para que ela não saia frustrada e nem com a autoestima baixa.”

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