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Microcervejarias inovam para sobreviver além do líquido

Em busca de competitividade, marcas apostam no uso de IoT nas fábricas, na produção de insumos para terceiros e na abertura para o franchising

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Por Letícia Ginak
Atualização:

Há muito tempo o termo artesanal não cabe mais para definir as microcervejarias. E os motivos - burocráticos, legislativos, tributários - são muitos. Mas o principal é que, para estar no ponto de venda e no seu copo, a bebida passou por todas as etapas de um produto industrial. Na busca por escalar ou ganhar vantagem competitiva no mercado, as microcervejarias do País estão imersas em ambiente de inovação e tecnologia. Seja na aplicação de IoT (internet das coisas) na fábrica, na produção do próprio malte ou no resgate de uma levedura centenária que acelera e otimiza a produção.

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“Vemos a busca por aplicação de tecnologia e automação nas produções. É um caminho sem volta, principalmente em uma realidade brasileira em que os custos de produção são elevados. Cada vez mais as microcervejarias que conseguem se manter enquanto negócio rentável são as empresas que estão preocupadas para além do líquido”, diz Luana Cloper, diretora das feiras Brasil Brau e Mondial de la Bière, principais eventos nacionais do mercado cervejeiro.  

Essa preocupação está no DNA da Startup Brewing, que tem a IoT como tônica do negócio. Criada pelos profissionais de TI André Franken e André Kunrath, que decidiram empreender no mercado de cervejas especiais em 2018, a empresa tem como objetivo simplificar e automatizar a comunicação entre fábrica e microcervejarias ciganas. Nesse tipo de empresa, que faz sua cerveja em fábricas terceirizadas, a rotina para acompanhar a produção é ligar para a fábrica todos os dias. Com a Brewing, ela acompanha a produção na palma da mão, por meio de aplicativo. 

Fundadores da Startup Brewing criaram aplicativo para automatizarinformações de produçãodiretamente dos tanques em que as cervejas são fabricadas Foto: André Franken

“O cervejeiro precisa saber basicamente de quatro informações quando a cerveja está no tanque: temperatura, densidade, pressão e pH. Nós medimos todos os dias e botamos no aplicativo, para que ele consiga acompanhar a distância”, diz Franken. Atualmente, há sensores ligados diretamente aos tanques de fermentação que medem temperatura e pressão e enviam a informação ao aplicativo. Os sensores de densidade e pH estão em desenvolvimento.

“Hoje, alimentar o aplicativo envolve processos manuais e automatizados. Com os novos sensores, não vamos mais depender de ninguém na fábrica para inserir as informações nele”, completa. A estimativa é que a nova versão do aplicativo esteja disponível em quatro meses. O valor para a implantação foi de R$ 70 mil. Hoje, a Brewing produz cervejas de 20 marcas ciganas e tem capacidade de 180 mil litros/mês.

Para o presidente da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), Carlo Lapolli, a rastreabilidade do produto é outra forte tendência do setor. “As microcervejarias podem aplicar QRCode nos produtos e ter a rastreabilidade do lote sobre os insumos usados, para ter controle na venda. É a indústria 4.0 nas microcervejarias.” Cerca de 1.200 microcervejarias estão registradas no Mapa (Ministério da Agricultura), responsáveis por 2,7% da cerveja produzida no Brasil (dados de 2018), com 380 milhões de litros.

Tradição centenária a favor da produção

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Uma família de leveduras centenária típica da Noruega é capaz de reduzir o tempo de produção da cerveja pela metade e, por consequência, dobrar a capacidade produtiva da fábrica sem a aquisição de nenhum maquinário. Esse é o grande feito da kveik.

Em 2019, a levedura voltou a ser usada pelas microcervejarias do País. Inicialmente caracterizado como “modinha”, o uso da kveik ganha mais adeptos pela eficiência com que a levedura consome o extrato total dos açúcares do mosto cervejeiro, reduzindo a fermentação de sete para dois dias. 

Rodrigo Barufalldi, sócio-fundador e mestre-cervejeiro da microcervejaria cigana Overhop, do Rio de Janeiro, recorreu à kveik em um momento de apuro. A marca anunciou o lançamento de uma cerveja para o Mondial de la Bière, em setembro do ano passado, mas perdeu toda a produção da cerveja por conta de um problema na fermentação.

Microcervejaria Overhop usou a levedura kveik para diminuir tempo de fermentação e conseguir lançar produto em festival do setor Foto: Rodrigo Barufalldi

“Pensamos em desistir e não lançar nada. Mas a fábrica parceira onde produzimos tinha a kveik no banco de leveduras e decidimos produzir com ela”, conta Barufalldi. A cerveja ficou pronta em menos tempo do que a da receita original, que foi perdida. Além da economia de tempo, os efeitos financeiros também são sentidos pelo cervejeiro. “O custo da levedura é o mesmo, mas há a diferença de tempo de tanque. Diria que a economia na produção gira em torno de 25%. E, se você tiver um comercial feroz, em uma fábrica que tem capacidade para 10 mil litros por mês, é possível fabricar 20 mil litros por mês com essa levedura”, completa.

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Malte próprio na corrida por mercado

Em vez de olhar para o consumidor final e correr para conquistar mais pints, a cervejaria Blondine olhou para a origem: os tanques. Em um cenário no qual as microcervejarias deixam de lado o sonho de ter uma fábrica e correm para os tap rooms, nos quais todas as torneiras de chope são de cervejas próprias, Aloisio Xerfan, fundador da Blondine, entendeu que essa virada do setor afetaria a distribuição de suas cervejas nos bares especializados. 

“Sofremos uma perda de segmento, pois os bares se tornaram brewpubs, com suas próprias cervejas. Antes, a gente abastecia esses bares. Pretendemos voltar para esse mercado fornecendo matéria-prima”, conta Xerfan.

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Como o Brasil não tem clima favorável para a produção de lúpulo (a flor sem a qual a cerveja não é feita), a escolha foi pela malteação de cereais, para fornecer matéria-prima às cervejarias. As cervejarias costumam comprar malte de malteadoras.

Em uma visita à fábrica da Blondine, localizada em Itupeva (SP), a reportagem do Estadão PME viu em primeira mão o equipamento piloto desenvolvido pelo mestre-cervejeiro Alan Kardec, que já passou pela Ambev e Heineken. Com capacidade para 800 kg de malte (cereal germinado, em geral cevada), a micromaltearia surgiu de uma fusão de conhecimentos e testes. 

Aloisio Xerfan, fundador da microcervejaria Blondine, investiu na propdução própria de malte para ganhar mercado Foto: Taba Benedicto/Estadão

O processo de malteação, de maneira muito simplificada, consiste em aumentar a umidade do grão e depois interromper a germinação com secagem fria e quente. Na Blondine, o processo é realizado em uma caixa com fundo falso, um sistema de refrigeração oriundo de uma câmara fria e uma turbina com vapor quente. O cereal escolhido para os testes foi a cevada e a produção foi de malte pilsen, mas a ideia é ampliar o portfólio. 

O equipamento à la professor Pardal não deixou a desejar. No segundo teste, o resultado foi positivo e, neste momento, há uma cerveja do estilo New England IPA no tanque sendo produzida com ele. A fase de testes exigiu investimento de R$ 100 mil. Em quatro anos, Xerfan pretende investir R$ 1 milhão para atingir a produção de 300 toneladas por mês, número compatível com a produção de cervejas artesanais no Estado de São Paulo, mercado que o empreendedor pretende abocanhar. Seria preciso ter, então, 60 equipamentos iguais ao protótipo.

“Queremos criar uma variedade de maltes exclusiva da Blondine. Isso vai nos diferenciar no mercado”, finaliza. A nova frente da empresa já tem nome e logo: Blondine Granum.

Sistema de gestão e abertura para o franchising

Continuar no hall das cervejarias especiais e, ao mesmo tempo, expandir com franquias tendo o tap room (bar de chopes) como negócio a ser franqueado. Esse é o objetivo de Leonardo Satt, Bruno Moreno e Luciano Silva, criadores da cervejaria Dogma. Até o momento, o setor conta com franquias de varejo, que vendem cervejas em garrafa e souvenirs de diferentes marcas.

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A ideia de expandir por meio de franquias é antiga e, por isso, os sócios se preparam para a empreitada há algum tempo. Há um ano e meio eles contrataram uma consultoria para realizar um estudo de mercado no Brasil. Além de mapear as cidades com potencial de receber um tap room da Dogma, a consultoria botou de pé o manual do franqueado.

O modelo consiste em bares com, aproximadamente, 60 m², que podem ter de 10 a 15 torneiras de chope da marca. A taxa de franquia é R$ 40 mil e o investimento total (com imóvel, reforma, capital de giro, taxa de franquia) é estimado em R$ 500 mil. Os sócios já assinaram o contrato para três bares em São Paulo. O primeiro, no bairro dos Jardins, tem abertura prevista para maio.

“Nossa ideia com o franchising é atacar a nossa maior fragilidade, que é o preço. A franquia é a forma de alcançar mais pessoas com uma cerveja que custará menos. Isso abre portas para conseguirmos ganhar competitividade no mercado”, diz Bruno Brito. 

Os fundadores da microcervejaria Dogma, Bruno Brito, Leonardo Satt e Luciano Silva, planejam expansão da marca pelo sistema defranquias há um ano e meio Foto: Felipe Raiu/Estadão

Em paralelo à entrada no sistema de franquias, os empreendedores investiram em uma fábrica própria, no bairro da Mooca. A Dogma é uma cervejaria cigana que tem em seu bar, no bairro da Santa Cecília, um laboratório para a criação de estilos e lançamentos.

Com a entrada dos franqueados, fabricar todo o volume foi a saída para não perder padrão e ter o controle de toda a produção. A fábrica tem capacidade inicial de produção de 25 mil litros por mês, podendo atingir 50 mil litros mês. A distribuição dos barris de chope para os franqueados será terceirizada.

A última ponta que amarra os novos passos da Dogma é o investimento em um sistema de integração de toda a gestão de produção e administrativa da marca. Com um software desenvolvimento pela SAP e aprimorado para o segmento de microcervejarias, o Beer1Beer, a Dogma está toda integrada. Com o sistema, é possível fazer a gestão do lote, rastreabilidade de insumos até a venda B2B e B2C, controle do processo produtivo com etapas configuráveis para quem está na fábrica e todo o administrativo, incluindo a gestão de franquia.

Caso Backer

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Em meio ao caso da cervejaria mineira Backer, que é investigada pela contaminação de 30 pessoas e morte de 5 devido ao uso de dietilenoglicol, a Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva) fez uma pesquisa com 200 microcervejarias do País e constatou que nenhuma utiliza a substância para resfriamento. Entre as pesquisadas, 87,4% usam álcool para esse fim, 6% usam propilenoglicol e 5,1%, outras técnicas não tóxicas. 

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