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‘ESG e caso George Floyd fomentam debate racial, mas há pouco resultado’, diz Nina Silva

Empresária de tecnologia à frente de iniciativas de empoderamento negro é eleita Mulher Mais Disruptiva do Mundo; para Nina, é preciso crédito e inclusão digital para promover crescimento

Por Francisco Artur e Victor Farias
Atualização:

Eleita 'Mulher Mais Disruptiva' do mundo em prêmio concedido na última terça-feira, 2, pelo Women in Tech Global, a brasileira Nina Silva defende que o assassinato do norte-americano George Floyd no ano passado e o maior foco em ESG (princípios sociais, ambientais e de governança) nas empresas permitiram uma abertura para debater as desigualdades raciais, mas houve pouco resultado no “âmbito prático”.

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Nina é a segunda brasileira a ganhar um prêmio do Women in Tech Global, iniciativa criada em 2018 que reconhece o papel relevante de mulheres na tecnologia. A paranaense Bedy Yang, sócia do fundo do Vale do Silício 500 Startups, recebeu em 2019 o prêmio de ‘Liderança Global’.

Com um trabalho focado em inclusão social por meio do empreendedorismo, com projetos como o Movimento Black Money — pataforma que permite a conexão entre empreendedores e consumidores negros —, Nina já foi considerada uma das 20 mulheres mais poderosas do Brasil pela Forbes. Ela é executiva na área de tecnologia há mais de 20 anos, colunista da MIT Sloan Review e conselheira de várias entidades, entre elas o Conselho Superior Feminino da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Na entrevista concedida de Portugual, onde ela recebeu o prêmio da Women in Tech Global, a empresária comenta a conquista do novo título e discute sobre as dificuldades enfrentadas pela comunidade negra para empreender no Brasil e para entrar na área de tecnologia. Segundo a pesquisa Potências Negras Tec, realizada pela Potências Negras e pelo Shopper Experience e divulgada em agosto deste ano, apesar de negros (56%) e mulheres (52%) serem maioria no Brasil, o mercado de tecnologia é predominantemente masculino (73%) e a maioria dos cargos de liderança é ocupada por brancos (56%).

Nina Silva, fundadora do Movimento Black Money. Foto: Luiz Brown

Nina, também CEO da fintech D’Black Bank, ainda faz projeções sobre como as pessoas e os negócios liderados por negros irão enfrentar um cenário de alta nas taxas de desemprego, inflação e juros para os próximos anos e ressalta as potencialidades que pode ter uma empresa com mais diversidade. Confira trechos da entrevista a seguir.

O que representa ser premiada como a Mulher Mais Disruptiva do Mundo? Equidade racial e de gênero passam pela disrupção?

É saber que, para além de um título, além de um prêmio, é a representação de um povo que ainda está invisível até mesmo em competições de mulheres por sermos em menor número em premiações. Me sinto porta-voz de todas essas pessoas, espero ser ponte para que nós tenhamos a oportunidade de ter mais nossos iguais em todos os espaços, criando nossa autonomia e fazendo do mundo um local de oportunidades para todos. 

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O conceito de inovação disruptiva como sendo soluções que criam um novo mercado e desestabilizam os concorrentes que antes o dominavam é algo capaz de atender um público que antes não tinha acesso ao mercado. Falamos diretamente de grupos minorizados que são celeiros de oportunidades na Nova Economia, caso estejam no protagonismo dessa disrupção.

Em artigo publicado no 'Estadão' em 2019, a senhora fala que a falta de incentivos vai na contramão da potência da comunidade negra. Pensando especialmente na área de tecnologia, algo mudou nesses dois anos?

Com o homicídio de George Floyd e o advento do ESG no Brasil, as desigualdades raciais tiveram abertura para a discussão no âmbito social, mas pouco se desenvolveu no âmbito prático. Não há incentivos de inserção de negros e negras na tecnologia na proporção das oportunidades, muito menos investimentos para incremento tecnológico de empreendimentos negros que precisam entrar de vez na era digital.

Qual caminho seguir para intensificar a participação de negros no mercado de tecnologia? Além da iniciativa privada, qual seria o papel do Estado?

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São necessários incentivos das grandes empresas para a formação gratuita e de qualidade para acelerarmos o desenvolvimento desses jovens negros. Além de formações técnicas, também seriam essenciais formações ao redor das soft skills e desenvolvimento para a liderança. O caminho é seguir com os grupos minorizados no centro do diálogo e da ação. Já o papel do Estado é garantir que em todas as cidades e regiões haja infraestrutura e acesso incentivado à digitalização da população local.

Também é necessário incentivo à ciência e à pesquisa no País para que esses jovens possam entrar em programas e projetos de tecnologias exponenciais,. Além disso, é preciso ensino nas escolas públicas sobre tecnologia e era digital, para que uma maioria negra em formação possa estudar e praticar muito mais do que interação em redes sociais e, sim, desenvolvimento de novas linguagens e mindset tecnológico.

No artigo, a senhora discorreu sobre as dificuldades dos empresários negros para conseguir crédito. Hoje, acha que a alta nos juros será mais um gargalo para os negócios?

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A alta dos juros impacta automaticamente o aumento das demais taxas cobradas em empréstimos. Isso acontece porque os bancos vão ter de pagar mais para pegar dinheiro emprestado e, por consequência, também vão cobrar mais de quem pedir empréstimo. Além do crédito mais caro, ainda sofremos com a falta de crédito incentivado para produção que deveria estar num programa de governo para fomento econômico da maioria dos pequenos negócios - que são em sua maioria afroempreendedores. Sem crédito para fomento não há crescimento social.

Um dos efeitos da pandemia é a digitalização do trabalho, com home office. Essas mudanças facilitam ou dificultam a inserção da comunidade negra no mercado de tecnologia?

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O trabalho remoto deveria auxiliar a inclusão pois possibilita que pessoas de diferentes cidades e Estados sejam contratadas independentemente da distância para o trabalho ou região do País. No entanto, temos a variável que é a falta de infraestrutura em lares de vulnerabilidade social. A velocidade da internet móvel no Brasil é lenta, abaixo das médias globais. Como a velocidade depende da distribuição de antenas, quanto maior a população por antena maior a navegação de dados, o que congestiona e causa lentidão.

As cidades mais vulneráveis à falta de infraestrutura são os espaços mais pobres, onde pode chegar a 10 mil habitantes por antena. Mesmo com o aumento da presença online de pessoas negras e vulneráveis nos últimos anos, a qualidade de acesso ainda é precária, grande parte só tem acesso às redes sociais por terem bônus de operadoras de celulares, assim dificultando a inclusão digital de quem mais precisa.

Qual retorno uma empresa teria em promover seleções voltadas à comunidade negra? Como esse processo funciona na fintech D'Black Bank e qual o retorno visto pelo grupo?

Estudos da Mckinsey comprovam que times com maior diversidade racial lucram 35% a mais pois performam em ambiente diverso com melhor processo de gestão de conflitos, de aprendizado mútuo, de identificação e diagnóstico prévio do usuário da ponta, o cliente. Empresas diversas em distintos níveis, principalmente posições estratégicas, são mais criativas e otimizam times mais enxutos, além de ter inovação em processos de forma inerente.

Em nossa fintech temos colaboradores de diferentes regiões do País, diferentes idades com alta representação LGBT e com um total de 80% de mulheres no quadro colaborativo, sendo que todos são negros. Assim, falamos para nosso público a partir do lugar de quem sente as dores e gera as demandas. Dessa forma, a representação e a conexão são imediatas e perceptíveis ao público.

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Levando em conta que o Brasil tem a maior comunidade negra fora do continente africano, a senhora acha que as empresas brasileiras têm condições de liderar essa discussão no mundo?

Sim, podemos e devemos liderar as transformações sociais a partir da resolução das desigualdades raciais. No Brasil, fome, encarceramento, feminicídio, homicídio, evasão escolar, desemprego e miséria têm cor, infelizmente. Precisamos pautar nossas resoluções estruturais a partir da transparência e ações efetivas para os entraves do racismo estrutural, para promover impacto positivo em toda a sociedade e assim ser referência dessa revolução protagonizada por agentes negros em todas as esferas.

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