Para os donos de pequenos e médios negócios, 2020 foi um ano com dificuldades suficientes para uma década. O isolamento social e o medo do contágio pelo coronavírus modificaram as formas de consumo e de venda.
Estabelecimentos foram fechados, a receita caiu abruptamente e funcionários perderam seus empregos. Para tentar sobreviver à crise, os empreendedores foram atrás de microcrédito, principalmente do programa de financiamento do governo, o Pronampe, e enfrentaram muitas dificuldades.
Campanhas para o consumo local foram criadas para proteger os pequenos. A digitalização à força, com as vendas pelas redes sociais e nos e-commerces, pareceu ser a saída para muitos. Outros precisaram aprender também a como trabalhar com o delivery. E teve aqueles que, infelizmente, fecharam as portas de forma definitiva.
Confira o que foi destaque no mundo do empreendedorismo em 2020, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão PME ao longo do ano.
O ano do empreendedorismo
O relatório anual Global Entrepreneurship Monitor 2020 (GEM), realizado no Brasil com o apoio do Sebrae e do Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP), projetou que 2020 seria o ano em que o Brasil atingiria a sua maior taxa de empreendedores iniciais ou de donos de negócios com até três anos e meio de atividade, com 25% da população adulta nacional empreendendo.
De acordo com o Sebrae, os dados referentes à projeção ainda não estão atualizados, mas as projeções estão se confirmando.
Também foi o ano dos microempreendedores individuais. Logo no início da pandemia, em abril, o número de MEIs no Brasil ultrapassou a marca dos 10 milhões. Hoje, eles são mais de 11,2 milhões, segundo a Receita Federal. No entanto, a pandemia do coronavírus impactou diretamente os negócios no mundo todo, principalmente os pequenos e médios.
“A massa das pequenas empresas sofreu muito com a pandemia. A restrição do movimento de pessoas afetou fortemente os negócios. A menor disponibilidade de renda do consumidor também afetou a propensão ao consumo. Portanto, para a maior parte das pequenas empresas o ano de 2020 foi muito ruim”, diz Gilberto Sarfati, professor da FGV EAESP.
A vez das startups
Por outro lado, 2020 foi um ano excepcional para as startups, aponta Sarfati. “Esse tipo de negócio, seja voltado ao consumidor final ou a empresas, por natureza é digital. E o digital foi o grande ganhador do ano. A maior parte das startups não depende diretamente da circulação de pessoas e pode manter a eficiência com funcionários em home office. Ao mesmo tempo, com consumidores e empresas online, houve uma digitalização forçada do consumo que impulsionou esses negócios”, completa.
De acordo com dados da Distrito, empresa que mapeia o setor, entre janeiro e setembro houve 100 aquisições de startups no País, número que superou os anos de 2018 e 2019. Já o volume de aportes em startups até setembro foi de US$ 2,2 bilhões.
A digitalização dos negócios
Para manter o negócio ativo na pandemia, a palavra de ordem foi a da digitalização. Quem já vendia online saiu na frente, mas aqueles que ainda não estavam familiarizados com o e-commerce tiveram que aprender a abrir uma loja virtual, escolher métodos de pagamento online, fazer entregas e usar as redes sociais.
Segundo dados da AbComm, entre março e maio, o País abriu mais de uma loja virtual por minuto, ou seja, 107 mil novos estabelecimentos criados na internet para a venda.
Outra estratégia adotada pelos empreendedores foi a presença nos marketplaces. O Magazine Luiza por exemplo criou, em parceria com o Sebrae, o Parceiro Magalu, para ajudar na digitalização de pequenos negócios. Até o fechamento desta retrospectiva, a plataforma já havia digitalizado mais de 85 mil negócios.
Pagamento digitais: o nascimento do PIX
Além dos meios de pagamento tradicionais, o ano de 2020 trouxe a criação do PIX, sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central. Para as pequenas e médias empresas, a modalidade foi benéfica, com redução de custos, menos burocracias nos pagamentos, auxílio no capital de giro e melhoria na gestão de estoque.
Para a assessora econômica da Fecomercio-SP Kelly Carvalho, o PIX melhora a gestão do fluxo de caixa das empresas, já que diminui o risco de o empresário ter que recorrer a uma linha de crédito com juros mais altos para pagar os seus compromissos.
“Ele também melhora a gestão de estoque do comércio eletrônico. Em uma venda realizada com boleto bancário, alguns consumidores podem desistir da compra, fazendo com que, em momentos de promoções ou datas comemorativas, a mercadoria fique parada em estoque, comprometendo o caixa. Com o PIX, as transações acontecem em tempo real, fazendo com que o e-commerce consiga se preparar melhor, inclusive para otimizar o tempo de entrega.”
O difícil acesso ao crédito e microcrédito
Com os estabelecimentos fechados, buscar crédito para manter o negócio vivo foi uma das estratégias adotadas pelos empreendedores. Além dos bancos tradicionais, até as fintechs aumentaram o limite de crédito oferecido.
No entanto, os relatos de dificuldades para acessar o Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), formulado em maio para socorrer pequenos negócios durante a pandemia de covid-19, também marcaram o ano do empreendedor.
Segundo os empreendedores e o Sebrae, problemas como a burocracia, a falta de garantias, a desorganização e a negativação das empresas foram grandes empecilhos na busca por crédito. Uma pesquisa feita pelo Sebrae apontou que entre março e julho cerca de 54% dos pequenos negócios buscaram crédito, mas apenas 21% conseguiram.
De acordo com o Ministério da Economia, foram liberados R$ 32,7 bilhões até dezembro, para 474 mil empreendedores.
“É preciso que, constantemente, mesmo que a pessoa não tome crédito emprestado toda hora, ela tenha a documentação em dia. Tem que ter o fluxo de caixa organizado, os documentos no prazo de validade certo. Muitos negócios não têm planilha com fluxo de caixa, previsão de inadimplência. Mesmo se a empresa for do SIMPLES, ela precisa de balanço anual”, explica o professor de Finanças do Insper Ricardo Rocha, um dos grandes problemas para o acesso ao crédito por micro e pequenos empreendedores foi a falta de organização dos negócios.
“Conhecer as linhas de crédito que são direcionadas para o seu negócio também ajuda muito. Tem que ter o banco adequado de acordo com o tamanho do negócio. Não pode misturar o crédito da pessoa física com a jurídica, por exemplo”, aponta.
Compre local
As campanhas que incentivam os consumidores a comprar de pequenos empreendedores de seus bairros e cidades surgiram aos montes nos primeiros meses de isolamento social para ajudar na sobrevivência dos negócios. Uma pesquisa produzida pelo Facebook, em parceria com a Deloitte, em setembro, mostrou que 73% dos consumidores brasileiros começaram a comprar de pequenos negócios (do seu ou de outros bairros) desde o início da pandemia.
“Olhando para o que está acontecendo no mundo, o nosso grande desafio é usarmos bem o exército de micro e pequenas empresas e de MEIs. Quando você olha para uma rua de comércio em um município de 20 mil habitantes, você soma os estabelecimentos daquela rua e isso se equivale a uma grande empresa, em números de funcionários e de pessoas que o varejo atinge”, explica o presidente do Sebrae, Carlos Melles.
“Estamos trabalhando muito com o consumo interno, fazer coisas dentro do município, do bairro, comprar do pequeno, isso funcionou de uma forma muito boa durante a pandemia”.