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Cuidar do lixo dos outros é mote para empresas em indústria milionária

Pequenos negócios de reciclagem atuam no vácuo da coleta seletiva do poder público; Brasil perde R$ 14 bilhões por ano ao desperdiçar materiais que poderiam ser reciclados

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Por Bianca Zanatta
Atualização:

A prática da logística reversa, de cuidar do lixo dos outros, virou modelo de negócio para algumas empresas. O Brasil perde R$ 14 bilhões por ano com falta de reciclagem de lixo. São 12 milhões de toneladas de resíduos sólidos desperdiçados, como 6 milhões de toneladas de plásticos e 4,7 milhões de papel e papelão, segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

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E, se tem muito lixo no País, isso vira dinheiro na mão de empresas. É o caso da Yesfurbe, plataforma brasileira de compra e venda de smartphones refabricados. Fundada em 2018, a startup tem a missão de incentivar o consumo sustentável por meio do recondicionamento de aparelhos seminovos em boas condições de uso, além de oferecer produtos de alta tecnologia com preços mais acessíveis ao consumidor final.

A empresa também é uma alternativa para pessoas que não sabem o que fazer com um aparelho antigo ou possuem dificuldades na revenda, trocando-o por créditos para adquirir um modelo refabricado ou um novo. Esses processos podem ser realizados tanto pelo e-commerce da marca como em marketplaces e varejistas parceiros.

Danilo Martins, CEO da Yesfurbe, define o modelo como “recommerce”. “Compramos e vendemos celulares usados do mercado e fazemos toda uma logística reversa para trazer esses aparelhos que captamos dos varejistas”, ele conta.

Com pandemia, houve aumento do consumo de material plástico na cidade de São Paulo; na foto, a Central Mecanizada de Triagem da capital paulista. Foto: Taba Benedicto/Estadão-25/6/2020

“Temos uma plataforma sistêmica que já é integrada aos nossos principais parceiros de logística. No momento em que é feita a compra de um aparelho novo no varejo - ou seja, o cliente vai até a loja, compra um novo e dá o antigo como forma de pagamento -, a gente compra e faz a coleta (para consertar e vender novamente).”

Numa pegada parecida, a marca de calçados veganos Ahimsa busca fechar o ciclo de vida de seus produtos criando formas de o cliente devolver os sapatos que considera não terem mais usabilidade. Com a iniciativa (RE)cycle, a empresa faz o reaproveitamento dos materiais que já existem ou já foram industrializados antes de buscar novos materiais.

“Basicamente, o cliente nos devolve um produto usado, nós reciclamos ou doamos e ele recebe um crédito para uma nova compra”, resume Gabriel Silva, fundador e CEO. “Assim tiramos um produto do lixo e incentivamos uma nova compra. Economia circular mesmo.”

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Para todos

Fazer a logística reversa no ramo de estética, beleza, perfumaria e cosméticos é a premissa da Reciclo Beleza Sustentável, dona de um modelo “para todos” que atende a negócios pequenos, médios ou grandes do ramo. 

“Damos uma destinação ambientalmente adequada às embalagens de todas as marcas por meio dos nossos pontos credenciados e máquinas de coleta, ajudando os clientes a conquistarem mais clientes com um programa de pontos e fidelidade sustentável”, afirma Fábio Roberto da Silva, sócio da empreitada. “Com isso eles passam a ter nosso selo Reciclo Beleza, nosso certificado ambiental e outros benefícios, que ajudam a tornar os negócios mais ágeis, rentáveis e atrativos.”

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Está para sair do papel no segundo semestre também a Loop Green, braço de tecnologias verdes da empresa para cuidar dos resíduos mais difíceis de reciclar do segmento, como esmaltes, batons e brilhos labiais. 

    les serão coletados e levados para a Loop Green, que vai pleitear vaga na Fapesp para desenvolver soluções que os transformem, por exemplo, para uso na mobilidade urbana, como em recapeamento de ciclovias.

    Coleta e reciclagem de cartuchos

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    O descarte de cartuchos e outros insumos de impressão pode ser um problema ambiental grave. Consciente disso, a Reis Office, empresa de outsourcing de impressão, começou uma campanha de logística reversa já em 2008, dois anos antes da criação da PNRS.“Para implantar muitos procedimentos precisamos ser firmes, pois é uma mudança de cultura e isso se dá com a comunicação bem feita, mostrando as necessidades de cuidar do ambiente”, afirma o fundador, José Martinho Reis.

    No início da campanha, eram recolhidos cerca de 5 mil cartuchos por ano. Agora são 25 mil. Em parceria com as fabricantes, a empresa faz a coleta mensalmente e fica responsável pela separação e pelo armazenamento até as empresas credenciadas levarem para o descarte final. 

    São gerados um laudo e um certificado que atestam toda a operação, oferecendo a garantia de que os toners e cartuchos usados serão destinados ao processo de descaracterização, que consiste na desmontagem e aproveitamento dos subprodutos derivados (plástico, metal e pó de toner). “O material é então reciclado, evitando sua transferência ao aterro sanitário e consequentemente a degradação do meio ambiente”, esclarece Reis.

    Papel social e educação ambiental

    Muitas coisas têm que acontecer para que os negócios consigam realizar de fato a logística reversa. Segundo Auri Marçon, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria do Pet (Abipet), é importante entender que o primeiro passo está na mudança do perfil de consumo.

    “O cerne da logística reversa está em entender que precisa ser uma responsabilidade compartilhada e encadeada envolvendo três pilares, que precisam funcionar em equilíbrio para dar certo: poder público, setor privado e cidadão”, diz o especialista. 

    Ele fala que, apesar de o setor público (municípios) ser responsável pela coleta seletiva, hoje um porcentual muito pequeno das cidades brasileiras a faz. “Acreditamos que não chegue a 20%”, relata. “Então o setor privado recebeu essa incumbência via PNRS - ‘esse filho é seu, precisa dar destinação a isso”, afirma Marçon. E as empresas já têm ciência disso, de acordo com ele. 

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    “Apesar de a grande maioria ainda não conseguir fazer a logística reversa, grandes empresas já têm a estratégia equacionada e as pequenas e médias estão caminhando para fazer.”

    Só que nada disso é possível sem educação ambiental. “As pessoas precisam escolher produtos que sejam ambientalmente mais amigáveis, como o pet, por exemplo, que é altamente reciclável, e ter o hábito do descarte adequado”, ele alerta. O outro ponto de destaque, claro, é a melhoria nos sistemas de coleta. 

    “Porque hoje o grande problema é que esse material ainda é enterrado. Então tem que ter coleta pública somada a outras alternativas. Para ter ideia, no caso do pet, de 70% a 75% de tudo que é reciclado hoje vem de fluxos alternativos, como sucateiros, catadores e cooperativas”, aponta o executivo. “É um modelo que o Brasil criou e que gera renda, resolve uma questão social que encaixa muito bem na sustentabilidade.” 

    Marçon destaca que antes o Brasil não tinha parque industrial para atender à demanda de reciclagem, mas que hoje o gargalo está justamente na outra ponta da cadeia. Há de 30% a 40% de ociosidade no parque industrial, que não recebe os recicláveis que tem capacidade para transformar. No caso dos pequenos negócios, portanto, ele acredita que sejam necessários dois focos: papel social e educação ambiental. 

    “Porque essas empresas não conseguem estruturar suas próprias recicladoras, mas conseguem focar na parceria com cooperativas e na comunicação com o consumidor para que as embalagens cheguem à indústria de reciclagem”, explica. “As cooperativas, aliás, são verdadeiros cases de resgate da cidadania. O grau de esforço para manter aquilo de pé é comovente.” 

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