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Chocolate bean to bar saiu da garagem e ganhou conceito social e ambiental

Segundo presidente da Associação Bean to Bar Brasil, categoria de chocolate hoje vai além do sensorial; campanha da entidade defende tripé de sustentabilidade

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Por Ana Paula Boni
Atualização:

A cacauicultora baiana e fabricante de chocolates Juliana Aquino se define como purista, mas antes de tudo uma apaixonada por cacau e chocolate. De família nascida entre pés de cacau no sul da Bahia, Juliana hoje se divide entre a fazenda Vale Potumujú, a sua marca de chocolates bean to bar Baianí e a presidência da Associação Bean to Bar Brasil.

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A entidade, que existe desde 2017 e hoje é tocada por uma diretoria 100% feminina, reúne 36 associados fabricantes de chocolate bean to bar. Mas o que define a categoria? Entre os próprios atuantes no setor, há controvérsias. A ideia nasceu na década de 1990, com a marca Scharffen Berger, que queria fazer chocolate do “zero”, no esquema de garagem, a partir das amêndoas de cacau e não da massa já processada pela indústria.

Mas, passados mais de 20 anos, o conceito expandiu, explica Juliana, que faz 70 quilos de chocolate por mês na Baianí, ao estilo "garagem". Segundo ela, não adianta fazer um chocolate com identidade, sem adição de aromatizantes ou outros mascaradores da indústria, e comprar cacau de fazenda que desmata ou tem trabalho análogo à escravidão.

Para divulgar esse conceito e educar os consumidores, a Associação Bean to Bar Brasil lançou neste semestre uma campanha de sustentabilidade ancorada em três preceitos: social (sem trabalho infantil, escravo ou condições subhumanas), ambiental (sem degradação da floresta ou caça predatória) e econômica (valorização do produtor e comércio a preços justos).

“A campanha tem a finalidade de mostrar que o produto que ele está adquirindo e consumindo tem um conceito além da técnica de fabricação. Tem todo um conceito de sustentabilidade econômica, social e ambiental”, diz a empreendedora, segundo quem hoje há no Brasil ao menos 150 marcas de chocolate bean to bar (a associação está preparando um levantamento com o apoio do Sebrae). Confira a seguir trechos da entrevista.

Juliana Aquino com amêndoas em processo de secagem no Vale Potumujú; Juliana segue tradição de família cacauicultora eempreende também com a marca de chocolate Baianí. Foto: Ana Paula Boni/Estadão-24/5/2019

O que é o chocolate bean to bar?

O bean to bar não se define. Uma definição fechada de dicionário não existe. Tecnicamente falando, é um processo de fabricação de chocolate onde se parte da amêndoa integral do cacau até a barra de chocolate no mesmo espaço de fabricação. A indústria tem dois espaços, um produz a massa de cacau, o outro faz os produtos de chocolate. No caso do bean to bar, todos os processos e produtos são pensados de acordo com as possibilidades sensoriais do cacau. Isso dá o porquê de esse processo técnico ter de ser feito no mesmo lugar. Você tem de pensar na torra, imaginar sua receita de acordo com aquele cacau.

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Hoje, esse processo técnico saiu de dentro da garagem, onde ele começou, e entrou em outra seara, de comportamento social, de conceito de empreendedorismo artesanal e modelos de negócio. Isso tudo faz parte do bean to bar como um business.

Ele não começou assim, mas hoje ele está diretamente ligado à questão sustentável. É praxe do comprador de cacau saber se na origem não há nenhum tipo de mau trato ao produtor rural. Se tiver maus tratos, pode ser o melhor cacau do mundo, o comprador não compra. Então, tem sim todo um embasamento sustentável no conceito do chocolate bean to bar.

Da parte sensorial, o que categoriza o chocolate bean to bar como um produto superior?

Melhor ou pior, no fim das contas, é segundo a percepção do paladar de cada consumidor. Não é o título ou a grandeza sustentável. No sensorial, é a boca do consumidor. Agora, o que tem de agregação de valor no sensorial do bean to bar? É a pureza do ingrediente. Você não tem outro recurso a não ser a bagagem sensorial do cacau. A gente não usa qualquer tipo de adição de essência. Se o cacau for ruim, a qualidade sensorial do chocolate vai ser ruim.

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Quando você vai para o campo, como o bean to bar trabalha a escolha das amêndoas?

É isso o que no caixa do empório vai diferenciar as marcas de chocolate bean to bar. O chocolate maker precisa saber classificar a qualidade de um cacau. Quando você vai procurar origens de cacau, você precisa testar a qualidade. Se isso tem a ver com qualquer tipo de variável na transação comercial, isso é à parte. Mas o fabricante de chocolate bean to bar tem de saber classificar um cacau, para saber como vai desenvolver suas receitas.

É possível fazer chocolate bean to bar com o cacau commodity, que não é especial?

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Na época do meu pai, nas décadas de 1970 e 1980, existia até uma chance. O cacau commodity era bem tratado. Existia a possibilidade, mas não é uma questão. Hoje em dia, isso é uma questão. Como produtora de cacau, posso afirmar que a diferença do cacau commodity para o cacau especial usado no chocolate bean to bar é que você pode ter duas fazendas, é como se fossem dois negócios diferentes. O tratamento é diferente. É um upgrade muito grande dentro do processamento da amêndoa para poder potencializar a capacidade sensorial do cacau.

Fachada do espaço onde as amêndoas de cacau são secas no Vale Potumujú, sul da Bahia; cobertura suave não deixa o sol torrar rapidamente as amêndoas. Foto: Ana Paula Boni/Estadão-24/5/2019

O que define o cacau especial começa na árvore ou na fermentação?

Começa na árvore, na colheita. É a seleção na quebra do cacau (para retirar a polpa do interior) que vai diferenciar o especial do commodity. Existe um ponto de equilíbrio, um ponto exato de maturação, que se confirma na quebra, um conhecimento adquirido entre os produtores. É necessário ter polpa em volta das amêndoas porque é preciso açúcar na fermentação. Ele não pode estar muito maduro, com a polpa seca. Mas, além dessa seleção e do processamento, o que define as características de um cacau é a combinação de solo, variedades de cacau e clima daquele ano.

Quando alguém fala que é chocolate bean to bar ou usa cacau especial, como saber se estou comprando gato por lebre?

Uma marca que se diz bean to bar e não diz a origem do cacau e usa vanillin (aromatizante artificial) na lista de ingredientes está mentindo. Está fugindo do conceito como um todo, em desrespeito à origem e à bagagem sensorial do cacau.

E qualquer porte de empresa pode fazer bean to bar?

A gente considera muito mais a fidelidade ao processo bean to bar do que o tamanho da produção. A Dandelion (marca americana, que lançou há um mês barras com cacau do Vale Potumujú), por exemplo, é uma empresa que produz 120 toneladas de chocolate por ano. O cacau chega na empresa e é tratado por um chocolate maker, que vai estudar o perfil de torra, o tempo de refino etc. Existe uma fidelidade ao processo de identidade, para não uniformizar tudo.

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