A palavra inovação leva o pensamento automaticamente para ambientes ou produtos digitais. Porém, atualmente o conceito é empregado de forma estratégica por empreendedores que criaram negócios analógicos em tempos de startups. “Inovar é transformar em algo acessível para seus clientes aquilo que antes não era. Associamos inovação com tecnologia, mas uma coisa não está intrinsecamente ligada a outra”, diz a coordenadora do Centro de Empreendedorismo da FAAP, Alessandra Andrade.
A vantagem competitiva do analógico é a experiência lúdica, criada por meio da valorização do sensorial e da utilização física do produto em comunidade, algo que o digital não consegue entregar. Como a interação social proporcionada em uma partida de jogo de tabuleiro, diferente do videogame. Em São Paulo, Alexander Mitchell e Carol Franco abriram em outubro de 2017 o clube de jogos Doidos por Dados, que começou como uma locadora online de jogos no mesmo ano. O modelo do negócio mudou porque o casal percebeu a necessidade de um espaço para reunir os clientes que tinham interesse pelo tema. “Nos procuravam dizendo que queriam alugar nossos jogos, mas ao mesmo tempo não tinham companhia para jogar”, conta Mitchell.
São 300 títulos disponíveis no local e o cliente paga um valor fixo para jogar, sem tempo determinado. Outro foco do clube é o RPG. “Temos um grupo de RPG que vem à casa todas às quintas-feiras desde novembro do ano passado”, conta Carol.
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Na outra ponta desta indústria está a Editora Galápagos, fundada em 2009 e que licencia, traduz e distribui jogos de tabuleiro no País. “Este mercado está aquecido no mundo todo e é um produto que caminha na contramão da digitalização”, diz o fundador e agora diretor da marca no Brasil, Yuri Fang. A Galápagos acaba de ser adquirida pelo grupo francês Asmodee, que faturou em 2017 € 442 milhões e vendeu no último ano 34 milhões de jogos de tabuleiro em cerca de 50 países. “A inovação das temáticas foi fundamental para atrair novos públicos, não só o jovem adulto geek”, acredita Fang.
Literatura. Ganhadores do prêmio de inovação da Feira do Livro de Londres em abril deste ano, o clube de assinatura de livros TAG, fundado há quatro anos em Porto Alegre (RS), aposta na experiência sensorial como chave do negócio.
“Tivemos inspiração no clube de livros Círculo do Livro, dos anos 1980. Fundamos o TAG com a proposta de fazer curadoria e levar para o assinante uma edição exclusiva nossa, com acabamento diferente, capa dura e autoral. Acabamos de lançar o TAG Inéditos, outra opção de assinatura em que o cliente recebe o livro três meses antes de ele ser lançado pela editora”, conta o sócio-fundador, Gustavo Lembert.
O clube também tem um aplicativo, que surgiu como mais uma opção para melhorar a experiência física dos assinantes. “Ele atua como um meio para reunir usuários e marcar encontros presenciais de discussão dos títulos recebidos”, explica. O TAG tem atualmente 30 mil assinantes e Lembert estima faturamento de R$ 26 milhões para 2018.
Infância. Os artistas plásticos Roni Hirsch e Helô Paoli decidiram lutar por uma primeira infância com pitadas analógica para uma geração de nativos digitais. Criaram então em 2014 o Erê Lab, empresa que constrói mobiliários urbanos lúdicos, como playgrounds, porém mais modernos e com materiais e temáticas brasileiras. “A criança se desenvolve nas experiências reais”, afirma Hirsch.
A empresa atua em quatro frentes: peças de catálogo (como paredes interativas e balanços), criação de parques completos, projetos temporários em locais da cidade, feiras e eventos e a construção de espaços em conjunto com comunidades, gerando impacto social. Unidades do Sesc, praças e espaços públicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro são alguns dos 23 projetos permanentes que o Erê Lab criou para fincar a bandeira do brincar.
“Nosso design traz total inovação para se relacionar com a criança que tem muito acesso à todos os tipos de conteúdos. A criança de hoje não acha mais graça no trepa-trepa, que sempre existiu”, ressalta Helô. Hirsch completa dizendo que “um dos nossos espaços tem inspiração no mangue, que requer movimentos diferentes para brincar. É o jogo do corpo.”
Entenda mais sobre o tema
Com o objetivo de trazer reflexões sobre o comportamento humano em tempos de supervalorização da tecnologia e economia digital ou mesmo para despertar nostalgia, obras literárias e da cultura pop colocam o analógico em pauta. Para o mercado, essas referências podem trazer força para iniciativas comerciais. A Polysom, por exemplo, voltou a produzir fitas K7.
Reflexão. O filósofo Zygmunt Bauman retrata a nostalgia como mecanismo de defesa.
Ode a RPG. A série ‘Stranger Things’, da Netflix, tem como protagonista os anos 1980.
Empresas. Inspiração para esta capa, a obra mostra negócios analógicos bem-sucedidos.