Aceleradoras ajudam empreendedores negros a driblar gargalo de investimentos

Além de canalizar dinheiro e dar capacitação, entidades como Afrohub e BlackRocks dão mais visibilidade a negócios e fazem a ponte com o mercado tradicional

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Por Julliana Martins e Pablo Santana
Atualização:
5 min de leitura

ESPECIAL PARA O ESTADO

Na tentativa de alavancar os seus negócios, empreendedores negros têm esbarrado na burocracia para captar investimentos e ter acesso ao crédito pelo sistema financeiro tradicional. Para preencher essa lacuna, instituições voltadas ao chamado black business e a empreendimentos de impacto social – como Afrohub e Anip, fundadas no ano passado, além de BlackRocks, de 2017, e Vale do Dendê, de 2016 – têm programas de aceleração que fomentam o crescimento desses negócios.

A pesquisa Empreendedorismo Negro divulgada pelo Itaú Unibanco em fevereiro revela que a baixa familiaridade com finanças e o tempo escasso para a realização de cursos de formação são problemas comuns a micro e pequenos empreendedores em geral. No caso dos negros, alguns obstáculos são particulares, como dificuldades maiores para se conseguir linha de crédito. As desigualdades no País fazem com que o negro já largue em desvantagem: enquanto a renda média mensal da população negra é de R$ 1.686, brancos recebem R$ 2.982, de acordo com o IBGE.

O dono da produtora audiovisual Terra Preta Produções, Rodrigo Portela, é um retrato das portas fechadas ao nicho. Mesmo sendo cliente de uma instituição bancária há mais de cinco anos e comprovando um plano de negócios e o histórico de faturamento de sua empresa, ele diz ter tido pedido de crédito negado em outubro de 2018.

Michelle Fernandes, da marca Boutique de Krioula, que faz turbantes. Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo

“A ideia era fazer um upgrade nos equipamentos, mas dos R$ 18 mil solicitados só liberaram R$ 3 mil. Assim, a gente não consegue acompanhar as atualizações dos equipamentos e isso atrapalha na hora de competir com as outras produtoras.”

Diante desse cenário, instituições criadas por empreendedores negros investem no fortalecimento do ambiente de negócios para os afroempreendedores. É o caso do Afrohub, uma aceleradora criada pelos empreendimentos Feira Preta, Diáspora.Black, PretaHub e Afro Business, com o apoio do Facebook, e que desde junho de 2018 oferece capacitação técnica e networking para a população negra que está empreendendo.

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Em um ano, o programa já acelerou 10 negócios, entre eles Makeda Cosméticos, Levinho Fit e Conta Pra Ela, e capacitou mais de 1.200 afroempreendedores em cinco Estados. Em sua segunda edição, que teve início neste mês de junho, a expectativa é alcançar mais de 3.000 empresários em oito Estados, a quem serão destinados R$ 300 mil, investimento fruto da parceria com o Facebook.

“Muitas vezes os negócios são voltados para identidade e cultura, e o responsável por aprovar o crédito financeiro não consegue enxergar potencialidade. O pensamento é que o negócio pode não ter escala. Mas, na verdade, se a gente considerar a movimentação financeira da população negra, esse argumento cai por terra”, pontua a cofundadora e presidente da Afro Business, Fernanda Ribeiro.

Foi na primeira turma do Afrohub que Rodrigo Portela viu a chance de alavancar seu negócio. “Eu fiz uma primeira tentativa de aceleração em 2016 no Sebrae e, das 18 pessoas que tinham lá, eu era o único negro. Os conflitos que eu tinha eles não tinham. Enquanto todos podiam se ausentar do empreendimento por uma semana, eu não podia porque, apesar de ser o dono, ainda sou mão de obra”, conta ele. “Quando você é negro e da periferia, você não começa do zero. Começa do negativo.”

Rodrigo Portela, dono de uma produtora audiovisual que passou por um processo de aceleração da AfroHub. Foto: Felipe Rau/Estadão

Além do dinheiro da aceleração, fazer a ponte entre o empreendedor e potenciais clientes também está na agenda. Para Maitê Lourenço, fundadora e CEO da BlackRocks, as soluções das lideranças negras precisam ter mais visibilidade para ajudar a mudar o paradigma.

“Nós encaminhamos os empreendimentos tanto para serem fornecedores das grandes empresas como também para participar de alguma atividade. Já fizemos eventos na Oracle, na Microsoft e no Facebook. A ideia é trazer essa população para ocupar os espaços e começar a pertencer a eles também”, diz Maitê, que fundou a entidade em 2017 para ajudar a fomentar o ecossistema negro em torno dos temas de inovação e tecnologia. Agora, a empresa se prepara para criar um fundo de investimento, com dinheiro que deve vir de investidores e que deve ser lançado no próximo ano.

Além da cor da pele

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Além das entidades focadas no afroempreendedorismo, iniciativas voltadas para negócios de impacto social e nas periferias também têm peso no ecossistema, caso da Vale do Dendê e da Artemisia.

A holding baiana Vale do Dendê foi criada em 2016 para impulsionar projetos de inovação com foco na economia criativa em Salvador - capital mais negra do País. Para fazer uma ponte com o capital financeiro, a aceleradora adaptou a metodologia aplicada por empresas do Vale do Silício (EUA).

“A cultura de investimento anjo ainda é incipiente no Brasil e, na comunidade negra, é inexistente. A gente tenta furar essa bolha e promover encontros entre pessoas que investem nesse ecossistema. Enquanto esse segmento for negligenciado no País, vamos permanecer estagnados porque só é possível crescer através da inclusão”, diz o cofundador Paulo Rogério.

O primeiro edital da Vale do Dendê, de 2017, beneficiou 30 startups que desenvolvem produtos e soluções tecnológicas de baixo custo e alto impacto socioeconômico. O projeto conta com o patrocínio da Fundação Itaú Social e da Fundação Alphaville e funciona oferecendo ferramentas para que os empreendedores reconheçam seu próprio potencial e possam crescer enquanto negócio.

A Boutique deKrioulacomeçou informalmente em 2012 e, cinco anos depois, recebeu aceleração da Anip. Foto: Werther Santana/Estadão

Atuando nesse segmento há 15 anos, a Artemisia ajuda a criar ou impulsionar negócios que possam solucionar problemas sociais por meio de três programas de incentivo, entre eles a Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia (Anip), em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a produtora A Banca, fundada por Marcelo Rocha, morador do Capão Redondo.

Foi por meio da Anip que Michelle Fernandes, também moradora do Capão, conseguiu apoio para o seu negócio, a Boutique de Krioula. O negócio começou informalmente em 2012, quando Michelle começou a dar dicas para amigas sobre como usar turbantes no cabelo. Cinco anos depois, a Anip potencializou o negócio.

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“A Anip foi a única a reconhecer que na periferia há empreendedores com potencial. A gente quer participar desses programas, mas às vezes não é possível se afastar do negócio porque cada minuto fora é um minuto que a gente deixa de ganhar dinheiro”, diz ela.

Segundo o gerente de seleção e apoio a negócios da Artemisia, Felipe Alves, o papel deles é identificar esses gargalos e apostar na criação de pontes. “Empreender nesse ecossistema de startups ainda é um privilégio, mas a gente tem criado iniciativas e buscado trazer cada vez mais a diversidade para os nossos programas, envolvendo lugares socialmente excluídos do universo de negócios.”

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