Por Altair Camargo *
Virou febre entre empreendedores falar em "encantamento do cliente". Para grande parte dos negócios, não basta apenas satisfazer o consumidor, mas é preciso encantá-lo e, com isso, surgem várias expressões como "criar uma nova experiência" ou "oferecer um novo conceito". Pesquisas têm mostrado que clientes encantados são mais leais, dão mais lucro e recomendam as empresas.
Acontece que um empreendimento voltado só ao encantamento do cliente pode ter sérios problemas que muitas vezes o dono não percebe. Por exemplo, uma estratégia para o encantamento é explorar o fator surpresa. A empresa anuncia o que vende sem apresentar tudo o que vai entregar e, após a compra, entrega mais do que prometeu.
O problema é até que ponto a empresa conseguirá vender bem sem dizer, antes, todo o valor que oferece. Ou seja, se ela comunicasse logo tudo o que oferece, não conseguiria mais clientes?Provavelmente, sim. Afinal de contas, as pessoas compram aquilo que julgam que vale a pena. Quanto mais o empresário mostrar o que tem de bom, maiores as chances de converter o cliente.
É uma tarefa complexa calcular as vantagens de ter alguns clientes encantados em vez de um número maior de consumidores "apenas" satisfeitos. O problema mais comum do encantamento é que o nível de exigência do cliente sobe.
Imagine uma loja virtual que promete entrega em dez dias e, em cinco vezes que o cliente comprou o produto, ele chegou em apenas dois dias. No primeiro e no segundo pedidos, pode-se considerar que o cliente ficou encantado, falou bem da empresa para os amigos, quis comprar novamente e desfrutar de todas as vantagens do encantamento. Da terceira vez em diante, o cliente já estava esperando aquilo e ficou apenas satisfeito.
"A insatisfação atrapalha mais uma empresa do que o encantamento ajuda"
Assim, se em um próximo pedido a entrega demorar os dez dias prometidos, corre-se o sério risco de o cliente ficar insatisfeito. Isso acontece porque o que antes era uma vantagem passa a se tornar algo básico na mente do consumidor - e a insatisfação atrapalha mais uma empresa do que o encantamento ajuda. Por isso, uma vez que o cliente se acostuma com ações que cativam, pega mal quando a empresa volta atrás ou simplesmente cumpre aquilo que foi prometido.
Ainda há outra dificuldade para as empresas: entender que nem todo cliente é igual. A emoção de cada pessoa varia de forma diferente quando recebe algo direcionado ao encantamento. Um serviço que promove o encantamento de uns pode provocar a indiferença ou mesmo o constrangimento de outros. É o caso de restaurantes que dão grandes porções de sobremesa quando um pedido vem errado. Alguns ficam maravilhados com o adocicado pedido de desculpas, enquanto outros se sentem envergonhados por pensar que não mereciam aquilo.
Para que sempre encante o cliente, a empresa precisa inovar constantemente, melhorar o que já faz muito bem e ser melhor do que o concorrente. Fazer tudo isso, obviamente, demanda muita energia e recursos. E existem outras formas de a empresa ser recomendada, ganhar fidelidade e lucrar mais, sem ter de encantar toda vez que o cliente fechar negócio.
"Até quando o negócio terá fôlego para encantar sempre? Talvez seja mais interessante, e mais barato, garantir o básico muito bem feito"
As grandes redes de fast food, com públicos fiéis, ilustram o caso. Esses consumidores frequentam as unidades com certa frequência, dão lucro a seus donos e não se encantam sempre. Talvez jamais tenham se encantado um dia. Por que sempre voltam? Porque são atraídos pelo bom serviço e pela confiança de que sempre vão encontrar uma comida rápida, gostosa, quente e a um preço que já conhecem.
Então, antes de tentar seguir a onda do "encantamento a todo custo", é preciso fazer contas. É mais barato oferecer um serviço de excelente qualidade e confiável ou estar sempre em busca de encantar o cliente? Até quando o negócio terá fôlego para encantar sempre? Talvez seja mais interessante, e mais barato, garantir o básico muito bem feito antes de partir para o encantamento. Os resultados podem ser até melhores.
* Altair Camargo é cofundador da Sempreende, pesquisador PhD pela USP em Marketing de Serviços e mestre em Empreendedorismo e Inovação pela Universidade Federal de Goiás